SONHO DE NOITE DE VERÃO
A margem direita da foz do rio Tejo e a frente de mar a ela contígua é gerida desde o aconchego de muitos gabinetes. As câmaras de Loures, Lisboa, Oeiras, Cascais e a Capitania do Porto de Lisboa têm a seu cargo muitos quilómetros. Nestes públicos organismos labutam decisores políticos e responsáveis técnicos pelos destinos de tão belos lugares. Aqui se olha hoje para o Concelho de Cascais e a capacidade que esta autarquia tem tido nos últimos anos de estender tapetes de cimento e asfalto naquilo que é o ex libris do concelho, as praias e arribas ao longo da Marginal.
Ponhamos os olhos, por exemplo, na praia de Carcavelos, o seu extenso areal e a faixa entre a Marginal e a praia. Façamos o exercício de nos lembrarmos em quantas cidades se pode encontrar semelhante mini-paraíso. E digo cidade porque ista anda tudo ligado e na verdade Lisboa está ali ao lado e em menos dum credo estamos em Belém a saborear uma bica e um Pastel de Nata. Mais de um quilómetro de praia, ainda para mais larga de areia. Um mar que ora piscina, ora lugar de culto para surfistas. Bares e esplanadas para todos os gostos. Restaurantes com vista para um pôr de sol que dura todo o ano.
Quando a C. M. de Cascais resolveu “requalificar” a praia e área envolvente, quais foram as suas opções? Como aplicou os largos milhares de euros que destinou à empreitada? Facilitou os acessos? Aumentou a zona de passeio? Criou novos espaços onde se possa parar, sentar, ler, fora dos bares e restaurantes? Instalou parques infantis? Plantou árvores e fez mais sombras? Melhorou os acessos do lado de terra e pintou mais passadeiras? Reformou os túneis pedonais e facilitou a acesso às bicicletas com parques seguros?
Claro que com estas perguntas pretendo afirmar o que, em minha opinião naturalmente, não foi feito. Bem noto, quase diariamente, o que foi feito, mais uma vez em minha opinião, mal. E é por isso que acho ser a praia de Carcavelos um bom exemplo de como se faz tanto mal. Um exemplo de como a CMC olha para a faixa de costa do seu concelho, e fiquemos apenas pela virada a sul. Do quão fácil é afinal, se dúvidas restassem, algarvernizar o país.
Foi requalificado o areal, despejando toneladas de areia e criando assim uma melhor e maior praia para estender a toalha, pintaram, revestiram, muraram e fizeram mais escadas de acesso à areia. Reformaram balneários e instalações de apoio. Foram limpos de tags e graffitis os túneis pedonais, (esforço inglório pois nada mais apelativo que uma parede limpinha para os amigos das gravuras rupestres). Tudo obras de manutenção necessárias e bem vindas.
E como foi a intervenção estrutural? Aquela que de hora em diante define e condiciona a nova conjuntura. Optou por “afunilar” o passeio, quase conduzindo quem por ali anda até às esplanadas e bares para, supõe-se, consequente consumo. Proporcionalmente entregou-se muito mais espaço ao carro que às pessoas, desrespeitando o plano de ordenamento da orla costeira que obriga retirar do lado mar da Marginal todos os parques de estacionamento.
Estendeu um enorme tapete de asfalto, sem qualquer tipo de ordenamento, sem marcações, destinado ao estacionamento mais anárquico que se possa imaginar. Cabem centenas de carros de outros tantos automobilistas preguiçosos, já que segundo a CMC, não fora a facilidade de estacionamento à porta e ficariam os bares e restaurantes privados do seus clientes, incapazes que são de andar a pé. Só assim se compreende a opção, pois à praia, como se vê no Verão, chega gente que deixa o pó-pó bem longe da toalha.
Basta uma ligação à internet e alguns segundos de espera para se poder, através do Google ou serviço semelhante, constatar a existência de um enorme parque de estacionamento mesmo do outro lado da estrada, dispondo de acessos à praia pela superfície e por baixo da Marginal. Por uma fracção do valor gasto nas obras aqui criticadas, teria sido possível melhorar as condições dessa área e torna-la mais apelativa e acolhedora (se é que um parque de estacionamento pode ser alguma destas coisas…) aos potenciais clientes (ah!).
Por muito atraso que se produza, por muitos pequenos interesses egoístas que se privilegie, um dia os carros vão mesmo desaparecer da praia de Carcavelos. Desaparecerão porque não pertencem àquele lugar, não fazem lá falta, porque usurpam chão cada vez mais raro, transformando-o numa zona seca, morta. Por muito que isso possa custar ao nacional egoísmo bacoco, um dia todo aquele espaço vai ser preenchido por coisas úteis e será finalmente entregue a quem dele faça bom uso e o merece: as pessoas, nós todos! Nesse dia, até os condutores de automóvel e os empresários da restauração ficarão a ganhar!
30 de Setembro de 2009 às 11:18
CLAP CLAP CLAP
Assim de repente não me lembro de um uso mais ineficiente de espaço do que um parque de estacionamento…deve haver mas não me lembro.
Basta ver o que fazem nos Free Park(ing) days!!
1 de Outubro de 2009 às 15:13
Fantástico post!
4 de Outubro de 2009 às 18:12
Concordo!
Ontem fui lá dar uns mergulhos à tarde e bebi uma imperial nos Gémeos.
14 de Junho de 2011 às 21:05
What a joy to find someone else who tinhks this way.