O continuado programa de encerramento de escolas por este Portugal fora tem a meu ver alguma dificuldade em encaixar-se dentro da caixa dourada em que nos é servido. Uma verdadeira política de valorização da escola pública, de aposta séria na educação e desenvolvimento descentralizado do interior empobrecido, não se compadece com o encerramento de escolas! É antes resultado de opções neo-liberais e duma visão que nos reduz a todos à condição de despesa enquanto vai entregando os lucros ao largo do nosso futuro. Estes processos concentracionários das escolas e dos hospitais, das lojas do cidadão, das super-esquadras, têm atravessado governos de várias cores e nem sequer são originalmente lusitanos. Todos têm uma consequência comum: afastam as pessoas desses serviços.
A lógica do hipermercado e do centro-comercial podia ser uma corrente filosófica para esta gente. Uma super loja onde se pode encontrar tudo e comprar qualquer coisa sem ter de andar dum lado para o outro. Quem ainda não ouviu ou leu que “agora pode tratar de todos os documentos num único sitio”?
Ou “desta forma podemos concentrar recursos”? Mas quantas pessoas vão à Loja do Cidadão para tratar de tudo? Eu dantes já tratava de tudo apenas num lugar, na Junta de Freguesia. Em qualquer freguesia havia uma loja das aguas e outra da electricidade e na repartição de finanças, que normalmente era ao lado da Junta, tratava do resto dos assuntos. E fazia isso tudo a pé!
Mas voltemos às escolas. Opiniões à parte, há uma questão que é sempre falada quando o tema é o encerramento de escola: o transporte -e relembro que estamos a falar de escolas que podem ter vinte e um alunos. Como é que se vão fazer chegar à nova escola os alunos que deixaram de a ter lá na aldeia? Não fiz nenhum levantamento, mas ao fechar-se cerca de setecentas escolas, deve haver crianças transferidas de várias escolas que agora vão todas para a mesma. Imaginem assim uma série de autocarros a virem de vários lugares e a confluírem para o mesmo ponto, para a nova escola. Criancinhas amarradas por modernos sistemas de retenção a acentos de pano azul, à mercê do mercado, dos seus valores e caprichos.
Sem ter números precisos -alguém terá? arrisco escrever que centenas de miúdos que iam a pé, de bicicleta, de skate para escolas relativamente próximas das suas residências, são agora totalmente dependentes de veículos motorizados. Pessoas que tratavam dos seus antigos bilhetes de identidade na
JF, agora têm de ir ao Rossio!.Mulheres que poderiam caminhar até à sala de parto, agora têm a criança na ambulância porque não deu tempo de chegar ao hospital! Digam lá se isto não é também um problema de mobilidade?
Com a expansão dos subúrbios e o aumento exponencial dos habitantes desses bairros, foi-se transformando a forma como as pessoas se moviam nas suas viagens diárias. O transporte colectivo nunca acompanhou o crescimento urbanístico pelo que o carro passou a ser omnipresente e seus donos omnipotentes. As famílias passaram a entregar parte do que poupavam na habitação periférica na compra do segundo carro e a rotina assimilou o automóvel definitivamente. Deixar os miúdos na escola
de carro, seguir em pará-arranca para o emprego, regressar em arranca-pará, trocar o carro pelo carrinho e continuar engarrafado na caixa do hiper, passar na casa da sogra, na lavandaria, levar os putos à piscina, ir ao ginásio, ao dentista, tomar café, comprar o jornal, à farmácia.
O tempo que dantes era usado para saltitar a pé de loja em loja de bairro, passou a ser perdido nos engarrafados IPs e ICs. Caminha-se pouco e quase não se pedala. A obesidade transforma-se num problema sério e os diabetes alastram. O asfalto cobre cada recanto das nossas cidades e os parques de estacionamento são forrados a calçada. As crianças foram expulsas da rua e empilhadas em parques assépticos donde nunca saem sequer para explorar o seu quarteirão. O que dantes se fazia no dia-a-dia, é nos agora recomendado que o façamos numa sala acondicionada
e fechada, em frente a um televisor que nos vende um estilo de vida que não queremos.
A forma como se desenha o país, o campo e as cidades, as vilas, as aldeias, a forma como os poderes distribuem as infraestruturas e os serviços pelo território, para lá de ser decisivo na fixação das pessoas, define toda uma malha de mobilidade geradora ela própria de dinâmicas estruturantes. Não se pode descentralizar concentrando, não se pode agregar mantendo distâncias de proximidade. Centenas de crianças passaram a estar mais longe da escola e o país mais dependente do petróleo. E ainda lhes dizem, nos dizem, que é para nosso bem?

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