Arquivo de Sevilha

A BICICLETA NA VIA LENTA

Posted in cycle of sighns with tags , , , , , on 19 de Agosto de 2010 by Humberto

Passou já um bom bocado desde o furor pré-eleitoral e da necessária conquista de todos os votos necessários para a tão desejada eleição, a bicicleta ganhou papel de estrela no debate sobre a cidade e quem nela vive. Relembro que gosto de pensar na cidade de Lisboa como um espaço bem mais para lá das fronteiras administrativas sob a alçada do gabinete presidencial da Baixa Pombalina. Quase um ano depois do frenesim das ciclovias, do pânico aos capacetes, das promessas partilhadas, o que temos?

Quando o The New York Times deu destaque à produção de energia limpa em Portugal, fê-lo  como uma provocação, como um desafio. Nos Estados Unidos da América, país onde as energias sustentáveis contam apenas 5% do total, vir dar como exemplo uma Nação mergulhada numa grave crise estrutural, com índices de desenvolvimento em regressão e números de desemprego que não deixam muita margem ao optimismo, mas que mesmo assim conseguiu um feito numa área tão relevante como a produção de energia, foi visto também como um abanão da consciência do uncle Sam.

Se os decididos governantes conseguem ser exemplares na área da produção energética, porque são tão incompetentes a resolver os problemas do gasto? A maior factura, desequilibradora da balança externa, é a energética e paga-se pelo que gastamos para movermos o nosso rabo gordo dum lado para o outro, leia-se de e para o trabalho. E é aqui que a nossa amiga bicicleta poderia entrar como verdadeira estrela da companhia. Não que seja ela a solução, sequer uma solução para toda a gente, já que é muito mais fácil, por exemplo, sentarmos o rabo gordo dentro dum autocarro que em cima dum selim. Mas a regulação da cidade,  no bom sentido, continua a ser um objectivo adiado.

Não será por acaso que no recente estudo European Green City Index, Lisboa -a “pequena” Lisboa alfacinha- aparece nos dez primeiros lugares apenas no item “Energia”, surgindo em décimo oitavo da geral, num universo de 30 Capitais Europeias! Quantas bicicletas serão precisas mais, e respectivamente menos carros, nas ruas da grande cidade para subirmos no top 30? Nesta corrida, onde tanto temos a ganhar, muito mais que medalhas, não somos capa de jornal. Aliás, os periódicos de cá ligam quase nada a estas questões e os de lá não encontram por aqui razões exemplares. Quem tem a sorte de ir conhecendo um pouco deste mundo, sabe bem como estas matérias estão a ser tratadas por urbes que, apesar de não serem capitais, se assemelham muito à Lisboa do Tejo.

Copenhaga foi palco da grande conferência pela bicicleta, a primeira global, a mais participada de sempre! Desde associações locais a patrões dos maiores fabricantes de bicicletas, todos quiseram marcar presença. Do que lá se disse e ouviu chegou eco à Europa, EUA, América do Sul, Oceania, até na Ásia onde a bicicleta tem o seu habitat mais favorável. E por ? Bem, adiante…

A próxima edição da Velo-City é em Março de 2011 e mesmo aqui ao lado, em Sevilha. Será que se vai poder ouvir falar Português com sotaque europeu na Capital Andaluza? Sem verdadeira mobilização, organização, objectivos e estratégia, continuaremos a ser alguns pedaladores, mais ou menos militantes, solitários e à margem dos destinos da cidade, das cidades. Silenciosos e nada incómodos andaremos por aqui, até que os senhores do costume vejam em “nós” um nicho interessante onde vir pescar uns votos.

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O SEU A SEU DONO

Posted in cycle of sighns with tags , , , , , , , , , , , , , , , , on 20 de Setembro de 2009 by Humberto

Embora não tenha dados estatísticos, arrisco dizer que sair de casa-entrar no carro-deixar-se conduzir pelo fluir do trânsito-estacionar, é, grosso modo, a rotina matinal e diária de muito de nós.

Com pouco esforço e usando uma expressão da moda, facilmente se consegue esmiuçar cada um destes passos e perceber por exemplo que, no particular da vida de cada uma, entrar no carro pode ser no abrigo duma garagem ou ao relento em cima da passadeira que há noite ninguém multa, e que a viagem duns é feita por ruas frias e cinzentas e a doutros encandeados do sol nascente lá longe no Tejo oriental. E que estacionar pode ser tarefa mais ou menos fácil, não dependendo isso apenas da destreza do condutor, mas sobretudo da hora a que se chega e do destino onde se arriba.

Pearl Street Triangle Plaza, DUMBO, Brooklyn

O espaço necessário para deixar parados todos os carros que entram na cidade de Lisboa, ou noutras que isto de carros está o país muito bem servido, não é pouco e se pensarmos no valor que tem o metro quadrado de terreno urbano percebemos quantos euros de terra ocupa um estacionamento. Imaginemos que cada pessoa que não se faz chegar ao trabalho de carro, exige o mesmo espaço à Câmara para estender uma espreguiçadeira ou montar uma mesa de piquenique e almoçar com os colegas. Poderia sempre argumentar que não polui e humaniza a cidade. Porque raio haveria de ter menos direito ao estacionamento?

O transporte público, a bicicleta e outros meios de transporte suave (adoro esta expressão e lembro-me de certos troços deixados em “paralelo” da ciclovia do Tejo) são as opções que as cidades devem incentivar.  São opções democráticas porque tratam todos da mesma maneira e devolvem aos cidadãos o poder sobre as suas ruas. Os espaços pedonais que sirvam todos os cidadãos, quer sejam condutores ou não, os espaços verdes, os bancos onde podemos parar e descansar, as esplanadas, são sinais de cidades democráticas onde o valor da terra -um bem de todos que é único e que não se fabrica mais- é justamente repartido por todos.

Continuar a construir túneis, avenidas pretas e largas, alamedas de quatro faixas, perímetros listados de laranja e branco, despejar contentores aos milhares no centro da cidade, é continuar a entregar o espaço que a todos pertence a apenas alguns, os quais, as mais das vezes, nada pagam por esse privilegio. É continuar a investir os fundos escassos e valiosos num modelo de cidade que tem os dias contados, e que nos condena a viver numa urbe que nos grita aos ouvidos: Não vos quero aqui! Cidade com muros e ameias onde não somos bem vindos, a não ser que nos apresentemos revestidos de plástico e chapa.

Copenhaga, Amesterdão, Melboourne, Nova Iorque, Almada, são algumas das cidade exemplares no que à sustentabilidade concerne e isso deve-se a trabalho intenso e persistente ao longo de anos. Quando as decisões políticas começaram a encurralar o carro e a tirar-lhe o protagonismo houve o mesmo tipo de resistências que por cá se ouve por parte dos homólogos protagonistas. A sensação que menos um lugar à porta da loja deixará mais um consumidor fora do negócio, é um entendimento normal, mesmo quando visto longe da luta partidária pelo poder autárquico. Em Copenhaga esse entendimento mudou.

As cidades de Bogotá, Dublin, Londres, Praga, Roterdão, Zurique, Milão, Malmö , Sevilha, dizem-nos que é possível reivindicar o espaço que por tempo demasiado nos foi subtraído. Basta apenas que se faça por isso. Duma vez por todas!

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