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DIZ-ME COM QUEM ANDAS, DIR-TE-EI COMO PEDALAS

Posted in cycle of sighns with tags , on 27 de Janeiro de 2012 by Humberto

Ensina-nos a mais libertadora das ideologias que os avanços se fazem também de recuos. A dimensão da individual existência turva-nos a memória e tira-nos do alcance o imparável passo do homem para um mundo melhor ao ponto de tal ensinamento nos parecer contraditório. Ainda para mais atravessando estes tempos presentes onde a noite se adensa e nos remete para passados já pensados impossíveis, cresce o descontentamento e o desânimo, alimentados por pensamento único, inevitável. Por muito má que seja a estrada só há uma maneira de seguir viagem: acreditando que é possível outro caminho e fazer valer a vontade de mudar e derrotar os Cabrais.

As opções políticas dos actuais senhores do poder, maioria parlamentar e Governo, têm penalizado fortemente quem vive dos rendimentos do trabalho, seja pela via da subtracção de salário, pelo aumento de impostos directos e indirectos e pelo aumento do tempo de trabalho sem o respectivo pagamento. Os transportes públicos, cada vez mais uma real alternativa para quem não consegue suportar o aumento dos combustíveis e abandona, ainda que relutantemente, o uso do automóvel no dia-a-dia, sofreram aumentos brutais, em alguns casos quase para o dobro, e foram reduzidos os incentivos por via de desconto no Passe Social para jovens e pensionistas.

A par do aumento do custo do bilhete o Governo decide reduzir o número de carreiras e a sua frequência horários por razões meramente economicistas e com argumentação perfeitamente desajustada, pois não é viável basear a operacionalidade dos sistemas de transportes no preço dos bilhetes nem é reduzindo a oferta que se capta mais clientes. Os propósitos são evidentemente a criação de condições para entregar à iniciativa privada -e à consequente busca do lucro- a mobilidade dos cidadãos. Estas decisões do Governo PPD/CDS não só não resolverão os problemas conhecidos como agravarão a qualidade dos serviços e apontam por caminhos à revelia das experiências de cidades vanguarda em matéria de transporte e mobilidade.

Por aqui se deu conta dum pequeno passo para o homem que representou uma volta maior no pedal da alteração do estado das coisas para a bicicleta em Portugal. Avançou-se no sentido da solução de problemas e na perspectiva de abrir espaço para o encontro de vontades comuns. Os sinais que nos chegaram nessa manhã da rua de São Bento foram de esperança. Conhecidos que são hoje os desenvolvimentos e os quatro textos levados a votação pelo PSD, CDS, Bloco de Esquerda e pelo Partido Ecologista “Os Verdes”, a primeira coisa que se conclui é que o tal consenso procurado não chegou a ser encontrado.

Seria expectável que pelo menos os Partidos de Direita, unidos que estão nos destinos de Portugal, tivessem chegado a um entendimento sobre um texto mas nem isso aconteceu. Ambos os Partidos submeteram Projectos de Resolução com o objectivo de fazer recomendações ao Governo no sentido da promoção dos modos suaves e da mobilidade ciclável. Tanto o PR 96/XII como o PR 101/XII inscrevem uma série de lugares comuns, verdadeiros é certo mas não passam de evidências que tanto servem para recomendações como para revoluções, que precedem as três recomendações de ambos os projectos, praticamente com o mesmo conteúdo e a mesma parca ambição.

Alterar o Código de Estrada é o que se propunha o Projecto Lei 82/XII do BE. Medidas concretas, objectivas tornando a bicicleta parte inteira e igual na selva das estradas, dando-lhe direitos para lhe exigir responsabilidade, acabando com o estatuto de marginal que todos os que escolhemos a bicicleta como meio de transporte temos aos olhos da lei. O PL 79/XII d’Os Verdes procurava implementar duma vez por todas e de forma efectiva, metas e objectivos para a rede nacional de ciclovias. Os mesmos deputados que recomendam ao Governo “que tenha em conta a utilização do uso da bicicleta na rede viária” recusam na prática efectuar essas alterações ao CE.

O PSD recomenda ao Governo a “incorporação de soluções facilitadoras e promotoras do uso da bicicleta” e a “instalem mecanismos práticos, facilitadores e promotores do uso de bicicleta” mas votou contra a inscrição na lei dum plano ambicioso de ciclovias que põe sob o mesmo tecto legislativo o poder nacional e local e cria a base dum país verdadeiramente ciclável. Finalmente! Ambos os textos apresentados pelo BE e pel’Os Verdes já tinham sido derrotados pelo sectarismo parlamentar em anteriores legislaturas. Não só as condições que estão na sua oportunidade se mantêm como prevaleceu infelizmente uma vez mais a demagogia.

Sinceramente, nada disto me surpreende, pois não é possível atacar o transporte público, destruir os direitos de quem trabalha, tornar a saúde num luxo e minar o sistema de ensino universal, e ser ao mesmo tempo a favor de maior justiça em termos de mobilidade. Por mais palavras bonitas que se juntem, por muito que se branda sobre as metas do carbono, a cidades sustentáveis, o preço dos combustíveis e outros valores tão reais mas também tão na moda; por muito que se enalteça a bicicleta é no concreto da acção, na afirmação da vontade efectiva de mudar o actual estado de coisas que se deixa a marca que no futuro revelará quem escolheu o caminho certo. Quem deu os passos adiante e quem andou aos arrecuas.

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PARA ONDE FOI O SORRISO DE ÁLVARO?

Posted in cycle to know with tags , , , , , , , , , , on 18 de Outubro de 2011 by Humberto

É normal que uma pessoa fique razoavelmente deslumbrada quando atinge certos patamares na sociedade. Ainda para mais quando aceita dirigir todo um Ministério e logo o da Economia! O Álvaro, como familiarmente pediu para ser tratado o então fresquíssimo académico empossado, esbanjava sorrisos e emanava uma verdadeira áurea de felicidade. A minha expectativa na governação dos novos ocupantes dos gabinetes da Horta Seca nunca foi optimista sequer ao ponto de achar que a jovialidade ministerial se devesse a qualquer solução milagrosa para o estado do país, da economia nacional. Não sou dos que vissem em tanto sorriso e boa disposição sinais de profundas certezas que estariam apenas à espera do momento em para serem reveladas -que, diga-se de passagem e vindo daquele ministério, nem sequer seria original: o fim da crise. Existem tantos tipos de pessoas que até deve haver umas que aceitam tarefas sobre as quais não conhecem realmente nada. Pessoas que viveram até então afogadas em livros e nas suas teorias e teorizando sobre páginas de teorias teorizadas afastam-se tanto da realidade que se por um lado a pensam com certezas provadas, por outro o mundo realizado nas suas cabeças simplesmente não existe.

Tenho andado numa de vídeos. Nem percebo bem porquê mas a verdade é que tenho encontrado muitos vídeos que me dão vontade de trazer para aqui. Não sou dos que acha que na Assembleia da Republica não se faz nada para além de gastar o nosso dinheiro nem tenho para mim que os políticos sejam todos iguais. Tenho no curriculum umas boas horas de sessões parlamentares, no hemiciclo e nas comissões, e se algumas se resumiram a secas monumentais, outras foram momentos que, pela vivacidade dos deputados ou pela relevância e elevação dos temas foram horas muito bem gastas. Acontece por vezes sairmos de lá -por mais estranho que isto possa parecer- mais esclarecidos, com questões aos pinotes na cabeça, com vontade de aprofundar ideias, com uma visão mais abrangente do que está em jogo, com novos elementos para formar opinião e julgar a acção de quem nos governa e representa. É na AR e pela vontade de quem para lá é mandado pelo Povo que são tomadas todas as decisões que nos comandam a vida. Duma maneira ou de outra é ali que tudo se decide. Até é ali que se decide o que se passa a decidir noutros lugares.

A recente ida ao Parlamento, por sua própria iniciativa note-se, do ministro da Economia para, segundo estava anunciado, apresentar aos deputados o Plano Estratégico para os Transportes, teve na comunicação social bastante realce no episódio triste que foi afinal não ter o ministro levado nada para apresentar aos deputados. Mais uma vez o folclore entreteve o pagode enquanto o que lhe importa realmente para a vidinha de todos os dias passou para segundo plano. Pedaços do confronto verbal exaltado que bramia contra a oportunidade da audição fizeram as delicias dos jornalistas de serviço. Mas sobre o tão necessário Plano, nada! Se o automóvel tem o peso que se conhece na vida do meus concidadãos é também, não apenas mas também, graças ao fraco investimento em Transportes Colectivos e à deficiente integração entre os diversos sistemas metropolitanos de transporte. Têm sido vertidos recentemente pela comunicação social verdades -que na verdade não passam de meias verdades- sobre a situação em que se encontram as empresas públicas de TC, sobre as suas dívidas, as regalias dos trabalhadores, os salários, e mais um par de botas, duma forma que legitime na cabeça do contribuinte que é no interesse dele, contribuinte, que os interesses de quem vê nos TC um bom negócio, vinguem.

Claro que o Ministro não levou o Plano porque não o tem escrito. Nem precisa! Foi apresentado o verdadeiro plano do Governo para os transportes e está inscrito no Orçamento de Estado: fundir as empresas metropolitanas de transportes; separar a infraestrutura que é de onerosa manutenção e requer elevados investimentos e mantê-la na esfera pública; despedir e sobrecarregar a dívida com mais pensões e indemnizações; vender o monopólio de transportes urbano assim criado aos privados que, pelo indispensável financiamento do Estado ficarão com os lucros. Confrontado com a acutilância e imerso nas imagens claras transmitidas pelas perguntas do deputado Bruno Dias, imagens duma realidade em total choque com a virtualidade das teorias neoliberais, o ministro da economia perdeu definitivamente o ar cândido, cai-lhe a máscara patusca. O seu olhar parecia que procurava no ar o plano, mas um plano que o tirasse dali para fora. Quase que dava pena se ainda sobrasse disso para esta gente que nos depena, come a carne e se prepara para roer os ossos! Independentemente de ser um excelente jovem deputado da bancada do Partido Comunista, o que me leva a escarrapachar aqui o vídeo da sua intervenção são as várias perguntas que põe ao senhor ministro. Quando queremos debater o Transporte Público, sejamos deputados, ciclistas ou ministros, devemos conhecer um pouco mais sobre esta realidade para além do folclore com que se anda a entreter o pagode. Este vídeo -que na verdade são dois- é um contributo para o debate, para levantar questões e procurar respostas. Um apelo ao conhecimento e à informação que quem por aqui passa. Para que possamos todos decidir melhor.


UM PEQUENO PASSO PARA O HOMEM…

Posted in cycle of sighns with tags , , , , , , , , , , , on 8 de Outubro de 2011 by Humberto

… um grande passo para a bicicleta. Desta forma se poderia resumir o dia de sexta-feira, sete de Setembro de 2011. Por volta da hora do almoço a SIC, embora com o atraso de um dia, transmitiu uma reportagem sobre a bicicleta em Lisboa. A pretexto da entrega duma bicicleta oferecida pela Federação a um bombeiro ciclista e criativo, a peça jornalística abordou -com a profundidade que permite uma peça de televisão mas sem a música dos Queen, o que já é um passo importante- dizia eu que a peça da SIC abordou a questão da bicicleta partilhada em Lisboa que nunca mais sai do papel. Pouco de novo foi adiantado, mesmo assim ficámos a saber que o vereador encarregue deste assunto, o senhor dos parques, jardins & ciclovias, também conhecido pelo Zé, espera ter a solução, que é como quem diz, espera limpar a areia da engrenagem até ao final do ano.

Foi um melhor almoço porque vi a bicicleta regressar à televisão numa abordagem que sobra do trivial da excentricidade costumeira. Miguel Barroso foi um excelente anfitrião e provou que tem pernas, porque dar boleia ao repórter de imagem de serviço na sua xtracycle requer muita entrega à causa, ainda para mais sem ajuda eléctrica. Só foi pena não ter sobrado fôlego para soprar de forma mais veemente o que lhe vai na alma sobre o imbróglio alfacinha! Já vinha o café a caminho para rematar o repasto quando o telefone acordou dum luto triste, para me dar boas notícias: manhã cedo tinha entrado a bicicleta pela porta grande na casa da democracia. A Federação Portuguesa de Cicloturismo e Amantes da Bicicleta assistiu na bancada dos convidados à apresentação de duas propostas de resolução, PPD/PSD e CDS/PP, e de dois projectos Lei, um do BE e outro do PEV, que recuperam no essencial as propostas já feitas na anterior legislatura. Por sugestão do PEV as propostas baixaram à comissão sem votadação com o compromisso numa solução consensual a todos os grupos parlamentares.

É exactamente este consenso que faria notícia, fosse este assunto parangonas na imprensa. Independentemente das diferenças ideológicas entre as seis forças políticas representadas na AR, existem hoje condições verdadeiras para que algo mude sem que fique tudo na mesma. Tanto o Bloco como Os Verdes mantém o compromisso para com a comunidade ciclista assumido em anteriores propostas. Os centristas assumem no Parlamento o que tinham prometido na campanha, nomeadamente num documento que enviaram após solicitação da Federação. O PSD, pela mão e voz dum deputado ciclista convicto, sócio da FPCUB e membro do Conselho Consultivo para a Mobilidade e do Biciauto, Pedro Roque de Oliveira, leu um texto consentâneo com as suas responsabilidades uma vez ser o seu, o Partido que sustenta o Governo. O PS, embora não tenha feito qualquer proposta nem guarde um passado feliz enquanto Governo, mostrou-se disponível para o tal consenso na discussão em Comissão da Especialidade.

Foi realmente um dia feliz para a bicicleta em Portugal, um dia que reacende a esperança de que algo vai finalmente ser feito. Uma manhã que nos faz acreditar que valeu a pena os esforços da Direcção da Federação no seu trabalho incansável de procurar apoios, abrir horizontes, promover este consenso que parece agora estar ali reunido à mesa da tal comissão. Mas é também um dia que exige de nós um brinde ao muito que há por fazer! A alteração do Código da Estrada não é a panaceia que corrigirá a anarquia rodoviária. A estipulação de todas as regras sobre a construção de ciclóvias e demais estruturas para peões e bicicletas não vai resolver a incapacidade inata da maioria dos autarcas automobilizados. Os senhores Barbosas estão por todo o lado e pensar que não entram no Parlamento é menosprezar o inimigo, primeiro passo para a derrota certa!

Mais importante que a bicicleta é quem pedala nela. E nela pedalam pessoas que perdem diariamente qualidade de vida. Diariamente nos apresentam um futuro onde não cabemos como seres humanos inteiros, um futuro sem direitos nem dinheiro, onde a sobrevivência será um luxo. O neoliberalismo galopante empurra os povos para a miséria a vemo-nos gregos ao espelho das notícias. Infelizmente não será a bicicleta que fará a revolução necessária, mas como prova a intenção de consenso na AR, é a vontade dos homens e a sua acção transformadora que pode mudar o rumo das coisas. Sem dúvida que seguirei o caminho mais feliz, farei girar os pedais mais confiante, olharei para o simplycommuting com, permitam-me a falta de modéstia, mais vontade, em consequências dum almoço bem acompanhado. Mas convém lembrar sempre que a única maneira de não cair é manter o equilíbrio, continuando a pedalar. Uma revolução de cada vez, uma volta dos pedais a cada passo.

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