Arquivo de moda

A TRIBO DO CALENDÁRIO

Posted in cycle of sighns with tags , , , on 20 de Outubro de 2013 by Humberto

bicicleta-indioSair por aí pedalando é ainda uma excentricidade para a grande maioria das pessoas que têm neste rectângulo o, por enquanto, lugar de poiso. Não é à toa que se ouvem barboseiras verdadeiramente admiráveis ou que se continuam a espalhar ciclóvias por Lisboa como quem constrói um cardápio de como aprender fazendo.

Hoje não vou por aí. Hoje vou deixar de lado as analogias de começar-a-construir-a-casa-pelo-telhado ou e-se-pavimentassem-as-ruas-primeiro ou o desesperante e-se-ordenassem-o-estacionamento, etc, etc, etc. Hoje vou-me ficar por uma coisa mais prosaica e e refrescante, particularmente para quem começa uma semana sem o totoloto no bolso nem ao menos a notícia do pedido de asilo de Passos, Machete, Cavaco & Co lá pelas terras do Panamá.

São engraçadas as tribos da bicicleta. Todas. Ainda não me percebi bem a minha mas gosto bué do pessoal que leva a coisa a rigor. Como somos poucos, mesmo que cada vez mais mas ainda poucachinhos, gostamos de nos identificar com aqueles que comungam dum gosto semelhante ao nosso, por exemplo por um certo tipo de bicla. Somos até capazes de adoptar uma determinada e muito a preceito indumentária, como se dum traje se tratasse. Adoptamos comportamentos de clã, do tipo só cumprimentamos o pessoal que tenha uma bicicleta com campainha ou os que tenham suspensão traseira.

Acho divertido, a sério que acho, sem pedantismos. Somos até capazes de elaborar filosoficamente sobre as vantagens para a defesa causa inerentes à militância numa e não noutra tribo. É ou não é? Os chics sabem lá como é que se promove a utilização da bicicleta ou parar num semáforo praquê? Ando a pensar em tatuar uma pedaleira na… Ui!

Enfim, também não é bem por aí que quero ir hoje e como a segunda-feira está quase a dar volta ao relógio, fica aqui em baixo uma razão para pormos em causa o universal, embora nunca provado, antagonismo entre os adeptos da fibra que tornou o senhor Du Pond ainda mais rico e os que preferem ensopar de suor o melhor tweed escocês. E já que o 2013 se encaminha para os finalmentes, podem sempre começar a escolher o calendário.

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HET IS AL OVER DE RIJWIEL *

Posted in cycle to know with tags , , , , on 1 de Dezembro de 2012 by Humberto

rciclaCada um tem as suas paixões. Vamos coleccionando, acumulando, trocando de paixões e assim vamos vivendo: apaixonados. Umas paixões são tão gigantescas e arrebatadoras que nos cegam, podendo até fazer esquecer outras. Temos de certeza dentro do corpo um órgão, como o fígado ou o estômago, onde guardamos as paixões. Nesse apêndice que teima em esconder-se ali por detrás do coração, cabem as nossas paixões todas. Nuns será maior, noutros mais acanhado mas é aí que vamos arrumando as paixões. As paixões às vezes, de tão novas e indomadas, saem a transbordar do saco das paixões. Apertam o coração, sufocam os pulmões e é aquele aperto no peito, respiração ofegante, nó na garganta como só os apaixonados sentem. Tudo nas paixões é bom. Mesmo quando é mau, é um mau-bom. E isso é o bom das paixões!

Amadurecemos e as paixões amadurecem em nós ou vice-versa que sobre isto ainda não cheguei a uma conclusão. Há paixões que nos vão conquistando aos poucos, lentamente. Outras haverá que nos colhem com tal estrondo que num instante mudam(os) o rumo do Mundo. Há paixões que entram em nós sem querer e só nos abandonam montadas no último suspiro. Cada qual é um e as suas paixões. É os seus amores, e ninguém as tem de igual modo. No fim de contas somos pouco mais do que a maneira como vivemos as nossas paixões. Assim como o sangue que nos corre nas veias, as paixões são só nossas e sentimo-las cada qual à sua maneira. Por isso é que as bicicletas são adoradas de tantas maneiras e feitios, tantas como ciclistas houver.

As paixões alimentam-se por dentro e por fora e há sempre alguém disponível para servir um apaixonado. É ver a quantidade de lugares onde hoje se pode apreciar, avaliar, experimentar, comprar, alugar, amanhar bicicletas. À medida que foi crescendo a quantidade de apaixonados pelas bicicletas, os lugares dedicados a eles e a elas -apaixonados e bicicletas- foram deixando de ser montras frias e homogéneas, onde as bicicletas eram arrumadas como gado barato, para se transformarem em espaços amplos, limpos, bem iluminados, chiques. As bicicletas foram ganhando mais e mais estatuto de objecto único pela cor e as suas formas valorizadas, os detalhes realçados. Acessórios simples como uma campainha é encarada como um autêntico anel de brilhantes no dedo da amada -para quem gosta de anéis, claro. Cestos de vime são importados de terras longínquas porque são os melhores e a nossa bicicleta só merece o melhor!

A bicicleta é uma paixão e as paixões também são às vezes modas. Em Lisboa já podemos entrar num café com bicicletas penduradas nas paredes e outras dobradas em prateleiras. Já é possível sentarmo-nos numa mesa rodeada de acessórios de bicicleta com um quase apelo sexual e bebermos um café vulgar. Em Lisboa já se encontram à venda algumas das mais emblemáticas marcas nascidas com o boom da paixão pela bicicleta que vai arrebatando corações por este mundo adentro. Finalmente já não somos obrigados a viver com uma bicicleta todo-o-terreno a vida inteira! A identidade da bicicleta passou a não estar apenas ligada à sua juventude mas sobretudo ao estilo que transporta. Literalmente.

Ainda há meia dúzia de anos, mesmo nos encontros e passeios urbanos de ciclistas, a grande maioria de bicicletas presentes tinham sido compradas em lojas de desporto e os seus ciclistas eram pouco mais que amantes da tecnologia e quase todos obcecados com a magreza -pelo menos com a magreza das suas meninas. Foram os tempos do domínio dos valores da competição desportiva, caminho mais fácil encontrado pelos fabricantes (que vivem de fabricar e alimentar algumas paixões) para tirarem à bicicleta o seu aspecto mais infantil, efemininado quase. Não quero com isto dizer que a Cannondale SuperSix EVO ou a Trek Super Fly são desprovidas de carácter ou incapazes de provocar paixões. Acho é que a coisa será muito menos platónica. Deslizar por um trilho sentado em cima de uns bons milhares de euros tem muito de carnal. Tem que ter! Claro que o tacto ao carbono mais rígido, o som da corrente a rolar com precisão aeronáutica pelos carretos, a souplesse do par bailador estrada fora, podem ser vividos com verdadeira paixão. Mas também sabemos que daqui a alguns meses, seremos servidos com novas Super-qualquer-coisa muito mais tudo que a Evo ou a Fly.

O movimento Cycle Chic e o Passeio de Bicicletas Clássicas são autênticos chás dançantes dos tempos actuais. Lugares onde vamos passear a nossa paixão e onde o estilo passou a ser traje de etiqueta. Qualquer estilo, desde que permita que a bicicleta seja exibida como mais um acessório, ou mesmo como O acessório, condicionando o conjunto homem/máquina mas sem o transformar em algo de totalmente excêntrico, (a)berrante. Até porque há momentos para diferentes paixões. Por exemplo, não passará pela cabeça do mais saudoso amante das pistas nevadas que, só porque é inverno e está a cair neve no Alto da Torre, ir de esquis passear para a Baixa. A paixão por pedalar tem tudo a ver com a bicicleta. Digamos que o prazer de pedalar pelas ruas da cidade pode ser vivido não importa o que se tiver no meio das pernas, mas há sensações de prazer diferentes de acordo com a montada.

Claro que o alvo da paixão pela bicicleta é a própria bicicleta. Ninguém pedala virtualmente sem um determinado quadro onde estão montados uns componentes e não outros. A bicicleta é que importa. É por ela que pedalamos porque sem ela somos apenas peões. É a bicicleta que nos transforma e transporta. São as características da bicicleta que nos definem enquanto ciclistas. É a personalidade da bicicleta de cada um que o enquadra num tipo específico de utilizador de bicicleta, que o faz membro de uma tribo ou de outra ou de nenhuma. É a bicicleta que nos leva a escolher a loja ou até a forma de comprar. Fazemos uns amigos e não outros de acordo com a bicicleta que pedalarmos. Tudo tem que ver com a bicicleta.

Podemos viver a vida inteira apaixonados sem nunca perceber com funciona o objecto da nossa paixão. Alguém percebe os homens ou as mulheres? Percebem onde quero chegar? A maioria dos apaixonados pelas bicicletas não fazem ideia como se ajusta um desviador ou qual a diferença entre travões v-brake e cantilever mas isso não os impede de pedalar ou sequer gostam menos de bicicletas. Gostam é de forma diferente. E nunca vão poder gostar tanto como se… A bicicleta pode perfeitamente ser apenas mais uma coisa nas nossas vidas, até mesmo mais uma das paixões que levamos no tal saco das paixões mas nesse caso nunca chegará a moldar-nos a forma. Para estes de nós a bicicleta será sempre uma peça inteiriça, mais ou menos decorada, mais ou menos atraente, mais ou menos prática. Desde que seja capaz de nos fazer apenas rodar o olhar ou ao ponto de nos virar a cabeça e mudar-nos o pensamento -o dia-a-dia? já a bicicleta cumpriu grande parte da sua função. Porreiro!

No entanto a bicicleta é muito mais que isso. Houve quem a tenha classificado como a maior das invenções e deve ter tido muito boas razões para isso. A simplicidade da bicicleta contrasta com a quantidade de detalhes históricos em que nos podemos perder. Desde as primeiras tentativas de fazer andar um par de rodas postas em linha, até às mais radicais variações permitidas pela tecnologia actual, a bicicleta é um mundo. Basta entrarmos em qualquer loja para ver a parafernália de peças e acessórios que podemos comprar. Alguns embalados como se fossem bombons outros com preços que mais parecem jóias. Últimos modelos de tudo e mais alguma coisa, o derradeiro design e a melhor tecnologia são anunciados qual santo graal. Um mundo onde a paixão é tudo menos casta!

Todos os móveis à venda em antiquários já foram novos um dia e ganharam, pela forma como resistiram à passagem do tempo, todo o valor que custam. Todos os objectos começam a envelhecer no momento em que são feitos e as bicicletas não são excepção. Poucos são os móveis, assim como raras as bicicletas que chegarão a ter estatuto de antiguidade, mas há monos que podemos sem arriscar muito, dizer qual o fim que terão. Até há pouco tempo não se encontravam bicicletas antigas à venda em bom estado, o que é normal já que as lojas preferem alimentar a paixão duma maneira digamos, lucrativa. Normal e compreensível. Para a maior parte dos apaixonados pela bicicleta, as coisas estão bem assim e nem podiam ser doutra forma. Ou será que podem?

Felizmente que podem! E o Vítor está disposto a provar isso mesmo na nova -verdadeiramente nova- loja que abriu em Algés. Com contentores de experiência e paletes de bicicletas inteiras ou às peças que trouxe da sua outra loja de Amesterdão, o Vítor abriu a primeira loja de bicicletas para quem gosta da bicicleta no seu todo, na sua essência. Para quem tem uma paixão maior por bicicletas. Para quem gosta de falar bicicletas. Para quem quer construir uma bicicleta, como dizem os ingleses, desde o rascunho. Para quem quer ter uma roda única na sua fixie. Para quem quer uma cor única ou um quadro Reynolds por medida. Para quem sonha pedalar uma senhora holandesa, pesada e com apenas três mudanças ou quer somente ver de perto uma Batavus. Uma verdadeira loja de bicicletas, cheia de órgãos usados mas ainda com muita vida para darem à nossa alma! Os apaixonados pelas modernas BTT não precisam fazer toda a Marginal mas quem procurar uma rígida old school para os trilhos da Arrábida, uma estradista em aço Colombus que já conheceu mundo ou uma BMX verdadeira, é na Rcicla que se vai perder de amores.

Poucas vezes aqui me senti a pisar o risco da publicidade gratuita e nunca aceitarei a outra, um pouco até à revelia da normal e também legítima união que existe entre a defesa da bicicleta e lojas ou marcas que vivem de e para a paixão pelas bicicletas. A Rcicla não é mais uma loja de bicicletas a fazer um esforço de originalidade para conseguir melhor vender as coisas do costume. A Rcicla é um conceito maior que um espaço comercial, onde se vai trocar dinheiro por qualquer coisa. Na Rcicla podemos até ver o nosso problema resolvido sem nunca gastarmos um euro. Há duas sensações comuns e frequentes quando entramos numa loja de bicicletas: sermos olhados como um porta-moedas recheado ou com tal indiferença que pomos em causa quem faz um favor a quem. Na Rcicla é diferente. É mesmo diferente! Na Rcicla o nosso problema é só mais um desafio.

A Rcicla não é um hotel de cinco estrelas onde levamos a nossa paixão uma vez na vida. A Rcicla é toda uma forma de viver a paixão, todos os dias. A Rcicla é uma escola para conhecermos a nossa paixão e nos conhecermos a nós mesmos. À Rcicla não se vai mostrar, vai-se para ver, para partilhar. Vai-se para discutir BikePolo e a felicidade. Na Rcicla há bicicletas para todos porque qualquer um pode fazer a sua própria bicicleta, como se fosse um alfaiate de bicicletas. Ali não há café nem queques mas há alguns dos melhores lugares para umas bifanas, b’jecas & afins. Não há carros por perto e há espaço com fartura para os miúdos correrem. Há o comboio à porta e autocarros de várias cores. Há vendedores de castanhas e às vezes um mercado do livro. A Rcicla é toda bicicletas. Finalmente abriu a Rcicla!

* É tudo sobre a bicicleta.

LEVI STRAUSS, BICYCLE & CO. (actualizado)

Posted in cycle of live with tags , , on 6 de Maio de 2012 by Humberto

Longe vão os tempos em que as Levis me chegavam de madrugada directamente de New York. Chegavam em sacos de lojas onde nunca tinha entrado. Nessa altura ainda as etiquetas diziam Made in USA, e escolhiam-se pela medida da cintura e do comprimento, comecei num W28 L30 e mais tarde W30 L32. As primeiras foram modelos 517 e 562, mais clássicos e largos, dum azul muito escuro e quase que ficavam de pé sozinhas, tal era a carrada de goma que as impregnava. As minhas primeiras aventuras com a máquina de costura foi para estreitar as pernas e fazer alguma bainha à minha vontade. Quem se lembra da moda das calças muito justas, com botas alentejanas ou de tacão alto? As aventuras na costura correram bem e guardo esses dotes até hoje com muito orgulho.

Com passar do tempo e muita informação partilhada, comecei a pedir outros modelos. Chegaram-me as primeiras 501 com a bandeira laranja no bolso, em azuis mais claros e aspecto usado. Eram mais caras e nem sempre os patrocinadores de então compreendiam as diferenças. Sem internet nem eBay, nesse tempo o google eram as revista importadas, a publicidade, de onde muitas vezes se recortava uma fotografia e entregava juntamente com o pedido e as notas de dólar. Mas a importação contra-bandista não se limitava apenas a calças. Vieram camisas de ganga, blusões, blusões com pelo e blusões de bombazine. Ainda guardo alguns blusões que espero façam as delícias do V logo que lhe sirvam como fizeram as da minha irmã. No início dos 80’s a Levis que se vendia por cá era caríssima e de inferior qualidade, o que até nem fazia muito sentido porque a marca tinha em Portugal alguma produção. Dizia-se então que a melhor Levi Strauss à venda fora dos states saía de cá. Anos mais tarde assistiria ao encerramento do escritório no Porto onde a marca controlava toda a produção adjudicada a fábricas portuguesas, num prédio da avenida de Boavista. Hoje, e apesar de não estar referenciada qualquer produção da marca no país vizinho, somos uma simples sucursal da Levi Strauss España S.A. Em Portugal havia em Março e segundo dados da própria marca, 26 empresas nacionais a produzir para a Levis. 

De regresso ao século passado, quem tinha o privilégio de mandar vir roupa do outro lado do Atlântico, para além das calças com a bandeirinha vermelha no bolso, havia quem preferisse as Lee ou as Wrangler, fosse pelo corte, a cor da ganga ou o tipo de linha usado nas costuras. Eu mantive-me sempre fiel às Levis! Houve até uma altura em que se podiam comprar falsificações muito aproximadas às originais por bom preço na feira de Carcavelos e noutros centros comerciais ciganol mas quem arriscava, rapidamente percebia a razão do “desconto”. Ao fim de um par de lavagens a cor desmaiava e as linhas cediam. A procura chegou a ser tal que o preço das americanas ultrapassou o das vendidas nas lojas. Realmente a cor da ganga e o corte não tinham par. A globalização começou a fazer das suas e em breve as Levis compradas em NY eram iguais às vendidas em Lisboa, o preço doméstico caia ao mesmo tempo que o dólar subia, até que a marca de São Francisco deixou de fabricar nos Estados Unidos a par da perda de implantação por causa da concorrência das novas marcas surgidas entretanto.

Hoje voltaram a fabricar no país de origem modelos exclusivos a preços equivalentes. Umas Levi’s made in usa custam muito acima dos 150 dólares e um blusão passa dos 200! Mais atenta às tendências do presente e revalorizando o encanto da ganga para lá do cowboy look, a Levis Strauss fabrica actualmente colecções para diferentes clientes. Uma das novidades é a linha a que deu o nome de Commuter, pensada para os ciclistas urbanos. A roupa está cheia de detalhes adaptados às necessidades de quem anda em cima duma bicicleta. Faixas reflectoras, respiradores nas camisas, materiais impermeáveis e até um suporte nas calças para cadeado em U, bolsos específicos, cinturas mais subidas, tornam estas peças bastante práticas e estão disponíveis em várias cores. Se a Levis não se esqueceu de nenhum pormenor, aparentemente ignorou que a comunidade ciclista feminina existe, e que se há peça de roupa que difere no género é um par de calças. Claro que semelhante tratamento discriminatório já motivou reacções na blogoesfera e mesmo um protesto formal junto da marca.

A série Commuter está disponível em Portugal e tem direito a chamada de capa, ou melhor, está bem presente na montra da loja no Chiado, em Lisboa. Por mim, e entrando na moda que parece ser uma vocação dos blogs cá da terrinha, anúncio a minha total disponibilidade para testar a roupinha. O meu número de calças é o W32 L32 e de camisa o 15,5!

AS MODAS DA BICICLETA

Posted in cycle of sighns with tags , , , , , on 26 de Março de 2012 by Humberto

A bicicleta vai de moda em popa. Está in que é como quem diz é bem. É bem andar de bicicleta, é bem dizer que se anda, é bem falar da bicicleta. À medida que se vai implantando de novo no dia-a-dia duma certa urbanidade, torna-se mais apetecível e monta uma escala de valores e relações à sua volta e dos que a usam. É mais transversal que outras modas como o skate ou o surf, e mais barata que a das motos. Tem adeptos novos e não tão novos, ricos e remediados, elas e eles, à esquerda e à direita, de tweed e de lycra, em NY e em Xangai, Lisboa e Bogotá.

É chic! E chic no original quer dizer sexy, uma mistura de sensualidade com sexualidade. Quem põe a bicicleta no altar da moda, pinta-lhe os lábios, desce-lhe o decote e rasga-lhe rachas nas sais. Da mesma maneira que o faz quando costura peças de roupa da moda. Pode parecer estranho, mas Copenhaga não é uma cidade habitada quase exclusivamente por mulheres jovens, altas, bonitas e ciclistas. Essa é uma imagem da moda da bicicleta exportada tão bem mas, como todas as imagens da moda, é apenas uma metáfora. E que boa metáfora!

A Notícias Magazine número 1035 deu à estampa página e tal sob o título “A moda das Bicicletas”. Só não percebo a razão do plural já que só lá pode estar por engano, visto que apenas um par de rodas ilustra a reportagem: uma solitária linda e apetecível bicicleta da avozinha. E moda porquê? Por causa duma mão cheia de retratos em formato pequeno de gente-que-vai-a-todas? Actores, cantores & políticos, flagrados enquanto pedalavam? Poupem-me… E o texto com três parágrafos a assinalar 45 anos da história do velocípede no… século XIX? Estranha noção de actualidade. Para completar o quadro fashion lá estão quatro objectos relacionados com a bicicleta com o quanto & onde, a remeterem para o sempre tão desejado consumo a pedal. Não fora a oportuna referência ao jornal Pedal, agora que saiu o número dois, e a incongruência seria total.

Já nem digo que acho fantástico que a austeridade portuguesa, aplicada à bicicleta, dê em tamanha pobreza mas nem a Fátima Lopes, que como se sabe é rapariga poupadinha quando toca a desenhar roupa e ainda mais nos trapinhos que veste, tem uma visão tão limitadinha de a Moda. Por muito que vir e revir a revista, não encontro glamour nenhum numa multi-ferramenta de bolso nem no mini-Sarkozi, embora me surjam algumas ideias interessantes sobre o que fazer a um com o outro… Já sei que é sempre bom que se vá falando e que mais vale pouco que nada e a lenga-lenga do pobrezinho-e-mal-agradecido mas, ó gente, atão isto é que é a moda das bicicletas???

Reconhecendo-se que há uma moda das bicicletas então mostrem-se bicicletas da moda, mostrem-se objectos em voga, mostrem-se as tendências do ciclismo urbano e do desportivo se for esse o caso e se é que sabem as diferenças. Não me precisam de mostrar mais uma vez a mesma fotografia do Brad Bitt para falar da moda das bicicletas. Será que não vêem que é repetitivo, que estão fartos de mostrar famosos de ocasião a pedalarem ocasionalmente? Quanto tempo é que NM vai estar agora sem voltar ao tema das bicicletas? Por isso é que me custa o tempo que se perde e o papel que se gasta de forma tão inconsequente. Eu não sou mal agradecido, sou é um nadinha exigente sobretudo com gente que não sabe nada para além de fazer uns quantos telefonemas e arranjar umas fotografias para um “oh-tão-giro-compra-compra”.

E estava eu neste inquieto cogitar e a abanar a cabecinha um tom reprovador, quanto ao virar a página da revista aparece a Fátima Lopes. Agente a falar nela e ela aqui à coca, de bracitos cruzados e até muito vestidinha. A revista quis saber que três objectos ajudam a designer a ordenar o agitado quotidiano. A saber: um telemóvel que a mantém sempre ligada ao mundo; um imprescindível computador muito mais rápido a desenhar que o lápis; um automóvel, esse “objecto de primeira necessidade”, sinónimo de liberdade de movimentos e independência. E eu imagino logo a Fátima Lopes -que é moça inspiradora de imaginações descuidadas, num escaldante vestido escarlate, a acelerar pelo Bairro Alto o seu intrépido Mercedes-Benz, como naqueles anúncios a carros onde as ruas das cidades são sempre desertas, onde nunca há engarrafamentos. Onde somos sempre livres e felizes.

Está na moda dizer-se que a bicicleta está na moda, mesmo que não se saiba bem porquê, da mesma maneira que a Fatinha julga que o carrito dela lhe dá total liberdade. Como é que uma pessoa, ao mesmo tempo que admite total dependência do automóvel, afirma que esse mesmo objecto lhe dá liberdade? Liberdade teria a estilista se não dependesse do carro para se deslocar na cidade e pudesse fazer como faz a Vivienne Westwood que usa a bicicleta no agitado quotidiano londrino. E o que ganharia Lisboa com muitas alfacinhas a pedalar colina acima, colina a baixo embrulhadinhas pela FL! Conheço um rapaz que não se importava nada de registar isso para partilhar e mais tarde recordar. E não estou a falar de mim..

Ia a Fátima a Londres e levava com ela, nem que fosse numa viagem de estudo virtual, a malta da NM para verem como é que, em vez de andar atrás de modas, se faz moda. Aos senhores do DN e JN não lhes daria muito trabalho e poderia ser que tivessem umas ideias. Daqui dos altos desta tribuna lhes grito “dêem uma vista de olhos às páginas do liberal The Guardian e às do conservador The Times e aprendam como se pode tratar a bicicleta de forma jornalística, às vezes mais a sério, outras mais light, com mais ou menos decote mas sempre com critério e com respeito por quem os lê. Nem que seja apenas por moda“.

NO PRINCÍPIO ERA A BICICLETA

Posted in cycle of sighns with tags , , , , , , , , , on 15 de Maio de 2011 by Humberto

Qual é a essência da bicicleta? Se formos subtraindo peças a uma bicicleta de forma a que fique só o estritamente necessário a que lhe possamos continuar a chamar bicicleta, com que ficamos? Pouco mais que uma par de aros, cerca de meia centena de raios e dois cubos, uma forquilha e uma caixa de direcção mais um guiador e um avanço, um eixo e roda pedaleira, uma par de bielas e respectivos pedais, corrente e carreto, espigão e selim, uma mão cheia de parafusos  e, claro, o quadro. Grande parte do fascínio pelas fixie ou bicicletas de carreto preso, tem que ver com o minimalismo, com a máquina na sua forma elementar, reduzida apenas à essência como que dum perfume se tratasse. Conhecidas também por bicicletas de pista porque são usadas nas provas de ciclismo em circuito fechado, têm geometrias de tal forma agressivas que algumas dão a ideia de serem impossíveis de montar.

Construídas desafiando as leis da física para reduzir o peso ao máximo possível, permitindo ao ciclista mudanças de ritmo e acelerações ao nível dum testarossa. Identificam-se facilmente pela ausência de manetes de travão e guiadores despidos, com todo o seu esplendor cromado à mostra. Verdadeiros icons do ciclismo permitem de forma inigualável a união entre homem e máquina. Quem pretenda dominar um puro sangue deste calibre terá que reaprender todo o conceito de andar de bicicleta. O eixo da roda motriz é fixo fazendo com que a transmissão, pedais-pedaleira-corrente-carreto-roda sejam um só elemento, em que tudo está de tal forma ligado que qualquer que se seja a direcção em que se pedala, a roda girará de acordo, permitindo por isso andar de marcha atrás. Parar nestas bicicletas é muito mais difícil que andar, pois requer uma perfeita coordenação de movimentos de forma a evitar a imobilização repentina da roda e consequente mais que provável descontrolo da máquina! Ver uma perito manobrar uma fixie e apreciar as acrobacias que os melhores conseguem fazer é um espectáculo empolgante.

Se substituirmos o cubo da roda traseira por um normal, ou seja que só quando a corrente o faz girar no sentido dos ponteiros dos relógio é que prende, fazendo evoluir a roda, ficando livre quando se pára de pedalar ou pedalamos ao revés, transformamos uma fixie numa singlespeed. Como se perde o efeito de tracção contínua do pedal, é necessário montar pelo menos um travão. Mesmo escolhendo um modelo de manete pequeno e um travão à roda da frente, na opinião dos puristas é já uma concessão à tecnologia e um luxo desnecessário. Bicicletas usadas sobretudo pelos mensageiros, têm vindo a ganhar adeptos em todo o mundo, entre rapazes e raparigas constituindo um dos mais emblemáticos e carismáticos grupos de ciclistas urbanos nos cinco continentes. Modelos de pista das décadas de 70 e 80 do século passado atingem preços exorbitantes em leilões e há lojas que transformam bicicletas de estrada com 20 e mais anos em fixie e vendem-nas ao preço de modelos topo de gama actuais. Todos os grande fabricante de bicicletas que apresentam nos seus catálogos um ou mais modelos de fixie e há dezenas de pequenos artesãos das bespoke bikes que se especializaram neste enorme nicho de mercado.

Quando usadas como bicicletas de trabalho, os seus pilotos exigem que sejam extremamente fiáveis e seguras, se escolhidas por opção de estilo e usadas de forma utilitária, porque têm menos componentes, mais dinheiro pode ser gasto e cada peça é escolhida criteriosamente. São bicicletas onde encontramos o que de melhor há disponível no mercado e que reflectem no todo e nas partes, o carácter do seu proprietário como nenhuma outra. Vários fabricantes de peças para bicicleta têm estes ciclistas como compradores duma significativa parte dos seus modelos de topo. Há muitos que a eles destinam linhas exclusivas ou adaptadas e há até alguns, não poucos! fabricantes de componentes só para fixie e single. Já para não falar em lojas onde quem perguntar por um desviador é logo olhado com desconfiança… Como muitas destas bicicletas são fruto da transformação e utilização de quadros antigos, com geometrias e especificações mecânicas já não usadas, algumas marcas de material de ciclismo viram aqui uma oportunidade e reapareceram no mercado componentes que vieram possibilitar o ressurgimento de outros modelos e estilos de velocípedes. Bicicletas aparentemente condenadas ao esquecimento por falta de peças, puderam ser recuperados e não é por acaso que há cada vez maior procura por bicicletas vintage.

Casas houve que saíram duma situação de falência e conseguiram voltar a afirmar-se no mercado. A procura é de tal maneira maciça que algumas marcas se vêm a braços com a incapacidade de responder ao mercado. Uma caixa de direcção Chris King e um par de cubos feitos com especificações só encontradas na aviação militar como os Phil Wood, o couro natural do selim Berthoud montado em carris de titânio, um guiador Cinelli recuperado dell’epoca d’oro della pista, são tudo componentes onde se pode facilmente gastar uma ou duas ou até mais centenas de euros. Num tempo em que o maior fabricante mundial de peças introduziu mudanças com comando electrónico nas bicicletas de competição em estrada, no outro extremo verifica-se um regresso às origens e ao aço, onde o plástico não tem lugar e as bicicletas são montadas com a precisão da mais apurada mecânica de relojoaria. Bicicletas que têm cada uma o seu próprio cheiro. O cheiro da paixão!

Agora vou ali dar umas pedaladas e ver se ganho coragem para escrever sobre o desviador traseiro no próximo texto!

BICICLETA DE MONTRA

Posted in cycle to know with tags , , , , , on 5 de Outubro de 2010 by Humberto

Andar menos de carro e encontrar alternativas ao transporte motorizado é muito mais simples do que a maioria das pessoas pensa. Fazer da bicicleta nossa companheira diária é apenas escolher o mais utilizado meio de transporte do mundo. Mesmo que a maioria dos ciclistas estejam no outro lado do planeta, por toda a Europa a bicicleta está a tornar-se mais popular que nunca. Existem muitas razões para o que assistimos mas a verdade é que o velocípede vive no presente provavelmente a sua grande idade de ouro. Nunca governos nacionais e locais investiram tanto na promoção da bicicleta e em infraestruturas dedicadas aos seus utilizadores. As marcas alargam as suas gamas, recuperam-se modelos clássicos, por todo o mundo nascem novos produtos.

No primeiro ano de funcionamento da Vélib’ parisiense, as vendas das lojas de bicicletas cresceram 70 por cento. Nos Estados Unidos da América calcula-se que um aumento de apenas um por cento no número de commuters a nível nacional representaria a salvação para a indústria ligada às bicicletas. Em Lisboa nasceram nos últimos anos alguns projectos comerciais vocacionados para a bicicleta urbana nas suas diversas vertentes, tendo apesar da tão propalada crise obtido relativo sucesso. Numa recente ida ao centro comercial Vasco da Gama, no Parque das Nações, reparei em duas montras de lojas de roupa onde figuravam bicicletas de cidade, modelos actuais e que se podem encontrar à venda, verdadeiros veículos utilitários, em vez daquelas costumeiras bicicletas pintadas duma só cor, coisas já sem préstimo a servirem apenas de cenário. Será isto um sinal de que quem ganha a vida a vender roupa, acredita que o estilo de vida ligado às bicicletas atrai consumidores?

As montras do Vasco da Gama foram montadas para nos vender roupa mas como a roupa das montras é toda praticamente igual, mandam as técnicas do marketing que se associe um estilo de vida que diferencie um produto dos outros. O fantástico é duas marcas terem apostado no mesmo estilo. O que as montras nos vendem é a ideia que aquelas calças ficam bem a par duma bicicleta. E isso não é necessariamente o mesmo que vender o modo de vida associado à bicicleta e muito menos convencerem-nos a mudar os hábitos de mobilidade. Em mercados de maior dimensão há marcas de roupa que saltam para dentro das montras de lojas de bicicleta. Não incorporam as bicicletas na sua imagem, vão mais longe e tentem abrir sucursais dentro do universo ciclo-estilístico.

Vem isto tudo a reboque dum muito interessante e saudável jogo, meio à desgarrada, meio ao desafio com um pé no além Douro e outro no pedal. Mais do que convencer alguém a andar de bicicleta, costumo aconselhar a olhar à volta e dizerem-me onde é que acham que estaremos daqui a um par de anos, como é que imaginam que será a vida com o petróleo a 100, 150, 250 euros o barril, se acham que vão poder continuar o actual estilo de vida por forma a manter os mesmos ou melhores padrões de qualidade de vida do presente. Passamos a vida a ouvir recomendações para poupar combustível, poupar água, separar o lixo, comer saudavelmente, usar a energia de forma eficiente, mas nunca nos dizem “mude o seu estilo de vida”. E  esse deveria ser verdadeiramente o objectivo prático, o único válido. Se a Expo 98 teve por tema os Oceanos, não é por acaso que em Xangai o tema são as cidades. É nas cidades que se está a jogar o futuro e é nas cidades que a bicicleta ganha terreno.

Em 2005 os ouvintes dum programa de rádio da BBC4 (again) foram convidados a eleger a invenção mais importante deste 1800. Perante uma concorrência de escolhas saída do mais puro engenho cientifico como a descoberta do DNA, o invento da rádio ou a criação de vacinas, a bicicleta foi eleita por quase 60 por cento da audiência. Talvez não saiba que um litro de gasolina tem mais de 7.000 calorias,. Se pudéssemos beber gasolina faríamos mais de 300 quilómetros com apenas um litro (a 7.7 calorias por quilómetro). Para mim a bicicleta é o único veículo que a par de transportar o seu utilizador com grande beneficio para a sua saúde, causa dano algum às outras pessoas. Não importa o preço, a idade nem a origem, uma bicicleta seja de competição ou de passeio, em carbono ou bambo ou aço Reynolds, de montanha ou uma BMX, uma omafiets ou uma chooper, uma penny farthing ou uma dobrável, a bicicleta é uma máquina construída para dar liberdade como nenhuma outra. Porque todos somos iguais quando estamos em cima duma, é a mais democrática das invenções.

Em Portugal ainda se fabricam algumas coisas para além de Magalhães e rolhas de cortiça. A Orbita mantém uma linha completa de bicicletas embora raramente as dêem a conhecer. Gosto particularmente do modelo Sport Confort Classic S. É uma bicicleta com quadro de senhora e linha holandesas com rodas de 26 polegadas. Por uns modestos 165 euros (preço recomendado) esta bicicleta vem com 7 velocidades de carreto, luz à frente e atrás alimentada por dínamo, grade porta bagagem e guarda-lamas. Melhor não se compra por este preço. É uma bicicleta de fácil condução e suficientes ajustes para ser confortável para qualquer ciclista. Não é uma máquina brilhante, não tem nenhum componente de última ou sequer antepenúltima geração mas é Orbita, uma marca nacional e oferece a mais honesta relação entre o que damos e o que recebemos. Merecia, claro está um nome mais bonito, que fizesse jus à já comprida história desta marca de bicicleta portuguesa. É sem margem para dúvida um compromisso ideal para quem as finanças não deixam muito lastro e ainda assim gostaria de dar à bicicleta a hipótese de lhe mudar verdadeiramente a vida.

CYCLE FIXIE & CHIC

Posted in cycle of sighns with tags , , , on 5 de Setembro de 2010 by Humberto

Há quem veja as fixie como a ligação perfeita entre homem e máquina, reduzindo ao elementar a tecnologia. Duas rodas, um quadro, pedais e corrente.

Derivadas das bicicletas de pista, são mais que um meio de transporte, são toda uma filosofia, uma maneira única de viajar no tempo e no espaço.

Londres, bem como muitas mais cidades, têm visto não só aumentar o número de commuters, mas sobretudo aqueles que escolhem bicicletas de carreto fixo ou single speed.

Embora auto-proclamados gurus da moda nos adocem a boca com risengrød enquanto nos tentam impor estilos mais de acordo com a sua agenda, a verdade é que se há coisa que nunca muda, são os clássicos.

Porque não importa o que vestimos, mas o que somos, aqui deixo um vídeo (mais um!) onde se invertem papeis. Com muita pinta!

SEREI CHIC? OU WHO CARES!

Posted in cycle of sighns with tags , , , , on 1 de Setembro de 2010 by Humberto

Este post vem como resposta a uma resposta a um comentário deixado por este vosso amigo no recém nacionalizado cicle chic. Por ser demasiado longo, preferi pô-lo aqui.


Não querendo problematizar a minha opinião sobre o senhor de Copenhaga, pois não passa disso mesmo: da minha opinião, permita-me, caro Miguel, que acrescente o seguinte.

Eu também acho que o trabalho do Mikael tem sido muito notório, já quanto aos resultados em todo o mundo, depende um bocado do que entendermos por resultados.

Acompanho os blog do senhor Colville desde muito cedo. Já contribui com algumas fotografias para o seu acervo e, como vê mesmo aqui à direita, existe a ligação para o copenhagenize.

Acompanho, como por certo também acompanhará, o trabalho de muitos outros blogs e especialistas em mobilidade urbana, transportes sustentáveis, arquitectura, e demais apaixonados pela bicicleta e do modo de vida que ela propõe, deste e do outro lado do Atlântico.

Saberá, como eu sei, que existe uma aposta institucional por parte das entidades dinamarquesas para fazer de Copenhaga a cidade mais ciclável do mundo. O trabalho do Mikael encaixa na perfeição nessa estratégia, sobretudo porque a capital da Dinamarca não está sozinha na corrida…

Na minha modesta opinião, que é menos entusiasta dos efeitos práticos que a vida do senhor Colville – em particular do CCC- tem na divulgação da bicicleta, que a opinião do Miguel, o cicle chic tem muito menor impacto no real que no virtual. É, isso sim, um lugar com, e repito, belas fotos de belas raparigas em cima de belas bicicletas. Ponto! Isso ajuda muita gente a olhar a bicicleta de outra maneira? Seguramente! Mas quando fala de massas, refere-se exactamente a quê?

Ando diariamente de bicicleta. Para o trabalho, para o mercado, para todo o lado, e vejo todos os dias muitas pessoas que também andam de bicicleta. Muitas usam roupas casuais, algumas até chinelos. Será que têm net em casa? Pensam sobre a bicicleta? São gente chic?

Conheço pessoas que vão da Parede para o aeroporto de bicicleta. Mais de 60km ida e volta! Concordará que é uma viagem, digamos, difícil para ir de sandálias. Claro que quando passam pelo Terreiro do Paço, com as suas roupas apropriadas ao percurso, se o Mikael as visse através da sua elegante objectiva, ignoraria-as enquanto objecto “cicle-chic”. Eventualmente até diria: “cruz-credo, que gente tão pirosa! que falta de estilo!” E no entanto…

É deste sectarismo que falo. E já o discuti com o senhor Colville, que me argumentou com a vocação mais glamorosa que do seu blog, não pretendendo abordar “questões fora de determinada estética” (sic). É legítimo!

Mas basta ler um dos últimos post que o Mikael escreveu, para a questão sobre inclusão ou exclusão ficar esclarecida. O ciclismo de estrada é um desporto nacional em Espanha, em Portugal, na Holanda, na Bélgica, em França, até na Dinamarca! e uma das grandes montras para promover a bicicleta. E um atleta é sempre alguém com muito estilo!

Numa realidade como a nossa, não faz sentido manter à margem uma população como aquela que já pedala, já tem bicicleta e muitas vezes só precisa dum empurrão. Um empurrão para a pôr a rolar para lá daquela volta a Monsanto ou ir ali a Santarém e voltar. Ostracizar todos os que pedalam por “desporto” e afunilar no gueto dos que se acham chic, creio não ser um bom trabalho em prol da promoção da bicicleta. É o Mikael que segrega quando escreve “Here’s the Vuelta a Espana for the rest of us” (o sublinhado é meu).

Acredito que as intenções do Miguel não sejam a transposição para paisagens da cidade de Lisboa, de pritty girls on old dutch bikes, até porque ao fim dum mês tinha esgotado os modelitos. Vejo Lisboa como uma cidade humanamente mais genuína que Copenhaga, com melhor clima e cerveja bem mais barata.

Numa sociedade cada vez mais mercantilizada, choca-me sempre que uma causa nobre -no caso, a bicicleta como meio de transporte sustentável-  é utilizada exactamente para promover o consumo.

Na vida, o lado estético é muito importante, mas não o podemos dissociar da questão prática e funcional. Eu sou dos que prefere uma mulher normal. Os modelos são para os homens sem imaginação.

SER OU NÃO SER CHIC, EIS A QUESTÃO?

Posted in cycle to work with tags , , , on 31 de Agosto de 2009 by Humberto

A roupa com que saímos de casa cada dia dirá de nós um tanto, como dizem todas as coisas que escolhemos para nossas lhe chamarmos. O gosto que pomos na escolha da cor da camisa e as calças com que saímos de casa pela manhã não são aleatório fruto do acaso, mesmo que para isso não tenhamos pensado um segundo de manhã, mas contribui muito para a imagem que fazemos uns dos outros.

Se é a praia o destino matinal, pela certa a tal camisa dá lugar a uma t-shirt e em vez de calças, mais bem nos assentam uns calções. Tudo muito de acordo com o nosso bom-gosto, claro.  Já para o casamento do primo de cujo nome não nos lembrávamos, a camisa pode até ser a tal, mas de conjunto com o fato meio justo que guardamos no fundo do armário.

Respeitamos padrões de gosto pessoal influenciados pelos ventos da moda, ou remando contra eles, e adaptamos o que vestimos de acordo com as necessidades práticas do dia-a-dia. Ora, se pedalar puxa mais pelo cabedal que andar de carro ou apanhar um autocarro, por que carga d’água escolheríamos então o mesmo tipo de roupa? Desculpem o machismo da ideia, mas acreditem que a imagem de cruzar-me pela cidade com bicicletas conduzidas por mulheres, cortando o vento de vestidos curtos e saltos altos, seria um prazer para os olhos e, muito provavelmente um tormento para os joelhos. Seria até um excelente cartão de visita para Lisboa, como o é, por exemplo para Copenhaga.

Em cima da ideia de que se as pessoas acreditarem que podem pedalar com a roupa de todos os dias, maior número delas optará pela bicicleta, tem por baixo a leitura inversa: quem não conseguir pedalar com a roupa comum, não vai aderir à bicicleta. Se nos centrarmos no essencial –levar mais gente a considerar a bicicleta como opção– o importante será desdramatizar os detalhes, não descriminando ninguém independentemente do gosto que cada um põe no vestir. Algum fundamentalismo Chic de certas opiniões duma Europa plana, chuvosa e bem urbanizada, teima que a indumentária é fundamental na defesa da bicicleta na cidade, quase como se a bicicleta tivesse sido inventada como acessório de moda, acabando invariavelmente  por promover certos produtos específicos e estilos de vida associados.

Pedalar quatro ou cinco quilómetros ladeira acima, deixa marcas muito para além das axilas, mesmo que a cadência se fique pelos limites do equilíbrio, e percursos desse tipo são frequentes em Lisboa e ao redor. Mesmo ao fim de um pequeno esforço sentado num selim, ao descoberto do nosso generoso clima, não me venham dizer que um duche não é do que melhor calha. Da mesma forma, se a industria do vestuário nos oferece uma tão diversa escolha de materiais, por que se aponta a lycra como se não houvesse mais nada!

Quer-me cá parecer que o Nelson Évora quando se veste com aquela roupinha apertadinha não é bem porque gosta. É muito capaz de ter a ver com o facto daquilo se adaptar melhor à velocidade e liberdade de movimentos com que nos enche de orgulho patriótico. Sem pôr em causa a felicidade alheia que isso proporcionaria, sinceramente não estou a ver o rapaz a sair à rua naqueles preparos. Muitos praticantes de btt adoram dar a sua voltinha pelo Parque das Nações todos coloridos e aconchegados, como se andassem a treinar para as 24 horas de Monsanto, (um dia destes volto ao tema) mas isso é outra conversa, e nada tem a ver este ciclista com quem usa a bicicleta como meio de transporte. Salvo, claro, excepções que apenas confirmam a regra.

Escolher a roupa que melhor se adapte ao esforço de casa-trabalho-casa (com ou sem escalas) é um sinal de sensatez e uma opção pelo conforto. Também nesta matéria, esta coisa da bicicleta não é assim um mundo tão à parte nem um bicho de sete cabeças. Quer seja tweed escocês ou o último grito da DuPont, algodão suíço ou seda indiana, cada um deve escolher o melhor que lhe calhe. É que gostos não se discutem, quanto muito, lamentam-se!

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