Arquivo de mobilidade

… E AGORA, ALGO DIFERENTE

Posted in cycle to know with tags , , , , , on 18 de Outubro de 2013 by Humberto

Os níveis de debate têm sempre a ver com o estado em que os debatentes se encontram. Por isso é que há sempre, em matérias que digam respeito a tudo o que gira à volta das bicicletas, alguém que está tantos anos, ou mesmo mundos, à frente do nosso dia-a-dia ciclista.

Da mesma forma que podemos aprender muito sobre como resgatar a soberania e a independência para Portugal com a história recente de tantos países da América do Sul, podemos percorrer pedalando outras longitudes para, pelo menos tentar não repetir erros e, quem sabe, ser até inovadores.

Aqui fica um pequeno exemplo elucidativo, bem elucidativo até, do nível da “coisa”.

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CUIDEM -TAMBÉM- DE MIM, POR FAVOR

Posted in cycle of live with tags , , , on 9 de Agosto de 2013 by Humberto

Post muita bem gamado:

Nos últimos dias foram-me chegando notícias de 7 ou 8 atropelamentos graves de ciclistas, amadores e profissionais. Por favor enquanto conduzem se passarem por um ciclista abrandem, ultrapassem só quando não vier nenhum carro em sentido contrário e tentem deixar a distância mínima de segurança de 1,5 mt. Eu sei que também há ciclistas que não cumprem as regras de trânsito, mas lembrem-se que nós somos o elemento mais fraco e um simples toque pode ter o pior dos resultados. Cuidem dos ciclistas, cuidem de mim. Uma vida humana por uns segundos da tua vida.

cartaz distancia que aproxima

AS FORMIGAS E OS CARREIROS

Posted in cycle of sighns with tags , , , , , , , , on 14 de Maio de 2013 by Humberto

Os transportes públicos ou colectivos, o carro particular, as ciclovias e os capacetes são os lados que marcam o perímetro dentro do qual a bicicleta tenta encontrar o seu espaço. Sobre os TC escrevi um texto, seguido de outro sobre o automóvel e o que se segue é sobre ciclovias. Fica a faltar o lado dos capacetes.

Os transportes colectivos e o automóvel são o que todos temos de mais certo quando pensamos em sair de casa. Tanto Lisboa e Porto como outras cidades de dimensão têm bons ou razoáveis serviços de transporte urbano. Não sendo a solução para todas as necessidades de deslocação e cada vez mais com preços pouco competitivos com o carro, os TC são um factor determinante de desenvolvimento urbano e medidor da qualidade de vida dos cidadãos. O carro particular é o rei & senhor das nossas cidades e só muito aos poucos e em casos sempre pontuais que se lhe tolhe os movimentos. É efectivamente possível aceder a toda a cidades de carro. Eventualmente não de todos os carros, mas há sempre um carro que lá consegue entrar. Tomemos aqui em Lisboa o Terreiro do Paço. Dizer-se que a Praça do Comércio está fechada ao trânsito é um pouco exagerado olhando o exclusivo parque de estacionamento em que na realidade se transformou.

A bicicleta, esforçada e sempre prestável, consegue adaptar-se para ser complemento tanto dos TC como do carro. É já comum verem-se transeuntes com uma bicicleta numa mão e um bilhete na outra. Para quem vive numa zona menos central e menos servida de TC, tem por exemplo de levar os miúdos à escola, pode mesmo assim contar com a bicicleta como solução complementar, se não de todos os dias pelo menos quando não chove. O capaceteduque davial antiga -ao qual voltarei um destes dias mas sobre o qual pode ir lendo alguma coisa– representa um pouco como cada cabeça encara a bicicleta e de dentro do qual se podem tirar todas as discussões, as ciclovias são o lado mais prático, ainda que apenas virtualmente, e seguramente mais mediático da bicicleta urbana. As ciclovias ou faixas cicláveis ou como quiserem chamar aos carreiros específicos para bicicletas, são sempre o lado mais visível e transformador do (re)aparecimento da bicicleta na cidade. As ciclovias introduzem um elemento novo na paisagem, infelizmente quase sempre, no passeio.

Sendo certo que as estradas não foram construídas para os carros, hoje existem exclusivamente para eles e tantas vezes contra tudo o resto. É compreensível que os maus da fita não abram facilmente mão de tamanho privilégio. Direi que estamos no ponto em que ganha consciência a necessidade de tirar o domínio ao carro. Depois virá o dia da manifesta “vontade política” de fazer, o que já se sente por aí… Mais tarde virá a “decisão” a que se seguirá o “pôr em prática” realmente.  Nas economias ditas emergentes o aumento do poder de compra de maiorias até há pouco tempo afastadas do grande consumo, leva à concretização do sonho legítimo de ser proprietário dum automóvel. Lá como cá o carro é o mais apetecível sinal social de sucesso. Lá como cá abre-se o livro das contradições comuns tão conhecidas no velho mundo ocidental. Globais são também os erros e as soluções. Tal como cá, constroem-se milhares de quilómetros de asfalto ao mesmo tempo que se renovam os transportes colectivos. Agora que esses países se deparam com a queda do número de ciclistas e de peões, aplicam-se os mais avançados conhecimentos de planeamento urbano. O mundo inteiro está a mudar, é só olhar à volta.

As ciclovias são uma das formas de tirar ao carro algum do totalitarismo de que tem beneficiado nas últimas décadas. O automobilista que circula nas cidades onde as ciclovias estão por todo o lado, sente-se mais como um “par” no espaço público e não como “dono”. Quando é construída uma via que segrega positivamente qualquer meio de transporte, há uma imposição da partilha, não só em termos do espaço concreto mas sobretudo em termos de direito ao espaço. A questão que persiste por ser esclarecida é, numa cidade como Lisboa, qual o papel reservado à bicicleta no contexto dos problemas mais abrangentes da mobilidade. Vamos por momentos situar-nos na zona de Campo de Ourique. Bairro residencial, com muito comércio e alguns serviços, bem servido por transportes públicos e simpáticos locais de paragem e convívio.

Quais os problemas de mobilidade que existem em Campo de Ourique? Arrisco a dizer que todos estão relacionados com o excesso de automóveis. Não apenas dos que circulam mas sobretudo dos que páram. Ou seja, o carro é literalmente dono de Campo de Ourique, o rei, e como é tratado o rei para além de ser tratado com toda a impunidade? Vamos agora olhar para o estado da Rua Ferreira Borges. Poderia ser outra das tantas que Lisboa tem nas mesmas condições. Conheço muitas estradas de terra-batida em melhores condições que a Ferreira Borges! Se os carros, os donos da estrada, os senhores de Campo de Ourique são servidos desta maneira, acredita alguém que as ciclovias sejam solução para a circulação de bicicletas em Lisboa? Porque é que se vê tantos ciclistas nos passeios da Avenida de Roma? Porque não há ciclovia ou porque não há segurança no asfalto?

Lisboa é pequena mesmo para quem a faz a pedalar, como deixou claro o Paulo Guerra dos Santos. Quando ouço que Lisboa tem um problema de trânsito costumo responder que sim, que tem, mas é um pequeno problema. Paris, Londres, Madrid, Berlim têm problemas de trânsito! O que Lisboa não tem, o que Portugal não tem, é a vontade política de pegar pelos cornos a besta. Timidamente introduz-se as zonas de 30km/h mas continua a ser permitido a total anarquia no estacionamento. No tempo da realidade aumentada vivemos uma verdadeira mobilidade reduzida tal o número de barreiras arquitectónicas, autênticas ratoeiras como as esferas de mármore nos passeios. Basta ver o que foi feito na Duque d’Ávila. No papel a coisa prometia mas quando olhamos ao nível o peão, o que encontramos? Uma floresta de pilaretes, canteiros, carros estacionados e uma ciclovia que é por onde toda a gente anda, com ou sem rodas, porque é o único caminho a direito.

Neste vídeo está tanto de Lisboa que quase dói!

Tirado daqui à Bicicleta Voadora

Ficou melhor? Sem dúvida, mas a questão não é apenas essa. Resta saber que tipo de melhor é que se anda a construir. As ciclovias não fazem falta nenhuma na Lisboa de hoje. Se amenizar a paulada que já está a pensar em dar-me, acrescento: salvo poucas excepções -nenhuma contemplada até agora. Quem tem beneficiado com as ciclovias são os peões que assim podem evitar as escorregadelas e tropeções da velhinha calçada. O que fará muito melhor que as ciclovias, a peões e a ciclistas, serão medidas muito mais urgentes como a acalmia de velocidade, a regulação efectiva do estacionamento e a proibição absoluta de estacionamento selvagem, nivelamento de passeios e elevação de todas as zonas de atravessamento, restauro dos passeios de forma a que seja possível andar a pé, com um carrinho de bebé ou cadeira de rodas.

As minhas excepções são uma ciclovia no eixo Liberdade/Fontes Pereira de Melo/Republica; Alcântara/Algés; Martin Moniz/Relógio; Baixa/Parque das Nações; na Marginal da Linha. Que dizer das ciclovias de Telheiras e de Benfica? Voltamos à mesma conversa do excesso de liberdade dada ao carro. Ambas são em bairros e os bairros não precisam de ciclovias para nada! A não ser que Telheiras e Benfica sejam bons mercados eleitorais… Tenho muita curiosidade em ver como vai resultar a requalificação do Bairro do Charquinho, em Benfica, já que finalmente alguma coisa de verdadeiramente relevante pode ser iniciada. É um projecto que mistura coragem política com envolvimento das populações mas sobretudo uma verdadeira transformação da estrutura. Vai sair caro em tempo perdido, o dinheirão que se tem gasto em meter ciclovias onde mal cabe um passeio, a fazer percursos que mais se assemelham às gincanas políticas dalguns autarcas. Apesar do fervor tantas vezes visto nas discussões que as ciclovias geram entre facções do activismo a pedal, as ciclovias têm sido pouco mais que uma artimanha para pescar votos e conseguir a simpatia dalguns militantes da causa ciclista.

BROCHURA INSEGURA

Posted in cycle of sighns with tags , , , , , on 12 de Maio de 2013 by Humberto

Se há frases completamente esbatidas, a “que uma imagem vale mais que mil palavras” é uma. Mas é também uma frase com um certo grau de, digamos, imprecisão. Uma imagem pode necessitar de mais de mil palavras para ser descrita ou ser até impossível de traduzir por adjectivos e subjectivos e preposições. Uma imagem é sempre uma mensagem e a mensagem é palavras. Comunicamos por imagens e palavras, associando sempre umas às outras. Reflectimos enclausurando imagens em palavras e socializamos a escolher as palavras que melhor transmitem as imagens pretendidas.

A escolha das imagens que usamos como mensagem é um acto voluntário e consciente e essa escolha é a construção da imagem que queremos de nós. Nós somos a mensagem porque somos comunicação. Uma imagem serve de ilustração ao texto da mesma forma que pode o texto ser completado pela imagem. A coerência de cada um é uma linha viável que une o discurso -pensamento, valores, ideais- e a acção -a parte visível de cada um aos demais.

O Ministério da Administração Interna através da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana, a FPCUB e a SportZone, protocolizaram (grande palavrão) a campanha de segurança rodoviária que deu um cartaz, uns autocolantes e até um filme simpático. Chama-se tudo “Duas ou Quatro Rodas, Há Espaço Para Todas”. É uma iniciativa importante já que marca o reconhecimento tácito pelo Governo da relevância que a bicicleta ganhou enquanto veículo de transporte. Esta campanha é um muito bom exemplo duma série de mensagens que remetem constantemente para imagens.

cartaz_campanha_2_4_rodasAs campanhas do tipo “partilhe a estrada” são sempre úteis para quem tenta dia-a-dia ganhar algum espaço, num meio tão desfavorável como são as estradas vistas e sentidas do selim. Recordar que a estrada é de todos e que um ciclista é tantas vezes um automóvel a menos no engarrafamento e a roubar o precioso estacionamento, lembrar que a bicicleta é um veículo perfeitamente viável em grande parte das deslocações urbanas, além de ser uma excelente forma de fazer exercício, são ideias muito positivas e especialmente bem vindas olhando às necessidades particulares e colectivas dos tempos actuais.

Embora ressaltem algumas imprecisões objectivas na brochura, como por exemplo afirmar que os automobilista e os ciclistas partilham os “mesmos direitos e deveres” ou argumentar que numa rotunda o ciclista se deve comportar “como qualquer outro veículo”, a campanha tem mérito também pela oportunidade de re-centrar a discussão na necessidade de adoptarmos todos, independentemente da quantidade de pares de rodas que usamos, comportamentos mais tolerantes e seguros. Claro que conseguir a disponibilidade do MAI e das Polícias, todos fundamentais na definição das políticas, da novas e desejadas políticas, que regulem, em lugar de desregular a estrada, é um feito relevante e que deve orgulhar a federação ciclo-turística. Ainda que seja tudo pago em publicidade.

Não seria particularmente motivo de admiração se os governamentais subscritores do referido protocolo, defendessem a obrigatoriedade do uso de capacete para quem se faz à estrada de bicicleta. Já estar a FPCUB associada a uma campanha em que o capacete aparece obrigatoriamente em todas as imagens, poderá aos mais incautos -escriba presente à cabeça- oferecer um travo de surpresa. Pois não é que todos os “bonequinhos” da brochura têm ou a cabeça bicuda ou uma semi-circunferência no alto do cocuruto? Pois é, a bonecada saiu toda pelo bico da caneta de capacete na carola! Vai-se a ver e as duas fotografias pespegadas no dito flyı -e aqui acrescento: uma menina numa e um menino na outra, tal qual manda o figurino, com ar de estranjas na certa! são de felizes ciclistas com a moleirinha bem aconchegada. Está tudo de capacete!

Leio com novidade que para os subscritores da dita brochura, FPCUB incluída, o uso do capacete é “altamente recomendável”. A ver se me faço entender: eu aceito a posição expressa na campanha com toda a naturalidade. A recomendação do uso do capacete é legitima desde que não envolva a defesa da submissão dos que assim não pensam a essa opinião. Ou seja, todos somos livres de opinar, mas cada um é livre de decidir. Mas quando se põe, numa brochura sobre a segurança dos ciclistas na estrada, todos de capacete, faz-se objectivamente uma declaração política. Ou não? E agora vamos tentar encaixar nesta posição a que diz “eu não uso capacete, pergunte-me porquê”.

Desconheço em que é que se baseia essa alta recomendação. O capacete será tão recomendável como um par de joelheiras e outro de cotoveleiras e já agora uma protecção de coluna e uns calções almofadados. E o capacete é fechado ou aberto e com protecção de queixo. A imagem que está escarrapachada na brochura é que um ciclismo seguro passa “obrigatoriamente” pelo uso do capacete. E disso há tantas provas que sim como há que não. O que há é a colagem da “obrigatoriedade” do uso do capacete à imagem da FPCUB. Será isso um investimento na segurança dos ciclistas?

E SE A ORBITA FOSSE UMA CALOI

Posted in cycle of sighns with tags , , , on 27 de Novembro de 2012 by Humberto

O envolvimento das empresas fabricantes de bicicletas é fundamental para o sucesso de políticas que favoreçam a mobilidade em duas rodas. Somos o maior fabricante europeu de rodas e de quadros de bicicleta. Temos um clima mais que perfeito para o uso da bicicleta no dia a dia e atravessamos um período de grandes dificuldades financeiras que se reflecte essencialmente na drástica diminuição do rendimento das famílias. Em muitos lugares e para muitas pessoas, a bicicleta é uma real alternativa ao automóvel e mesmo aos transportes públicos. Com mais ou menos romantismo, a bicicleta faz já parte da paisagem urbana portuguesa e da agenda política. Tudo isto transformou a bicicleta numa moda e numa solução mas também numa enorme oportunidade de negócio. Num negócio que vive da exportação mas que pode viver também do mercado interno. Ou não? Então do que é que estão à espera?

O MAU DA FITA

Posted in cycle to know with tags , , , , , on 27 de Agosto de 2012 by Humberto

Um dos quatro temas mais debatidos pela tribo das bicicletas dá mote ao texto que pode ler hoje. No seguimento deste e como anunciado, publico agora algumas considerações sobre a relação entre o carro e a bicicleta. Brevemente ainda me vão ouvir falar das ciclovias e a terminar a saga, dos capacetes.

O carro é o mau da fita. Tem sempre que haver um mau da fita: é o carro. Só os fósforos perdem mais valor que o carro com o uso. O carro é insaciável. O carro é exigente. O carro dita-nos os destinos, os quandos e os ondes. Nada nos dá mais estatuto social que o carro que levamos nas mãos. Nada nos detém por detrás do para-brisas! Quando estamos protegidos dentro do carro, somos indestrutiveis! Somos cativos do conforto do carro, apaixonados pelo som do motor, sonhamos com o cheiro a novo, ávidos de tecnologia de ponta. Há muito que o carro faz o mesmo que o Viagra, com versões também para mulher. O carro representa nações, povos, regimes, épocas. O carro alimenta paixões e gera ódios. Transporta a vida e leva a morte. Vai à guerra e é a guerra. Há carros para todos gostos, para todas as algibeiras, de todas as cores e feitios. O carro é o mau da fita perfeito!

O carro está por tudo o lado e não parece que esteja com vontade de ir embora. Apesar te ser uma máquina relativamente simples e até algo arcaica, o automóvel tem sido o mais bem conseguido objecto de consumo da indústria da publicidade. Desde que nascemos que vivemos rodeados e carros. O carrinho de bebé e os carrinhos do bebé. O carro do supermercado e o carro de mão. Nos desenhos animados os animais da selva têm rodas e no cinema nunca vi um actor a fazer de carro mas já vi carros a fazer de actor… O carro é o rei! Não há artista da música ‘róh que viva longe dos carros e no futebol o jogador é o carro com que chega ao treino. Se a imagem dos deuses não andasse hoje em dia tão desvalorizada, diria que o carro é um deles. Verdadeiramente omnipresente.

Não são só os combustíveis e óleos que alimentam o carro mas praticamente tudo nele gira à volta do petróleo. O carro reflecte melhor que tudo, a dependência em que a sociedade de consumo vive da indústria do ouro negro. Esta dependência é por vezes voluntária e noutras nem tanto. Um cidadão pode querer depender do carro ou pode não ter escolha. E é aí que bate o ponto! É possível que muitos cidadãos encontrem alternativas ao automóvel, mas pensando numa emancipação social em relação à dependência do quatro rodas, ela só chegará quando isso for entendido pela sociedade em geral como uma necessidade. Quando a política de transportes, rodoviária, educativa, fiscal, quando as prioridades de  desenvolvimento (?) passarem por diminuir essa mesma dependência.

Cada um de nós que opte, por exemplo, pela bicicleta em detrimento do carro, está a contribuir de várias maneiras para reduzir a famigerada dependência do carro. Mas a bicicleta, porque não é opção para a maioria dos transeuntes, não é o santo graal da mobilidade. Pode ser que um dia venha a ser mas esse dia ainda está longe. O grande predador do automóvel é o transporte público e será por essa via que se reduzirá a dependência do carro. Outras formas de reduzir o impacto do automóvel nas nossas vidas têm que ver com a gestão do espaço alocado ao estacionamento, com a limitação ou eliminação total do acesso por carro a áreas sensíveis das cidades, com a maior e mais efectiva responsabilização do automobilista pelos impactos negativos que pode causar, quer de forma activa -velocidades excessivas, quer de forma passiva -estacionamento em passadeiras.

O homem move-se para trabalhar, conviver. Andamos dum lado para o outro por tudo e por nada. A mobilidade é vital. Uma vez que foi dado às pessoas “o direito” a acederem a todo o lado de carro, uma vez que se pretende, e bem, cortar esse “direito”, é forçoso que duas coisas aconteçam. Primeiro que sejam convencidas das vantagens desse “corte”; segundo que lhes sejam dadas alternativas. Valorizar o trânsito pedonal, melhorar as redes de transportes colectivos e (hélas!) incentivar a utilização da bicicleta, são necessidades imperiosas para requalificar as cidades, promover o desenvolvimento económico e social mas sobretudo para diminuir a dependência que Portugal padece do carro. Será que é nesse sentido que se tem caminhado? Como sempre há de tudo. A nível local tem havido algum progresso e podem citar-se felizmente bons exemplos que nos dão esperança que há uma nova mentalidade a tomar conta de algumas cadeiras com poder. E a nível do Governo? O Governo está a fazer o seu melhor para nos pôr a todos a andar a pé e de bicicleta ou não andar mesmo. Com os preços galopantes dos transportes e dos combustíveis estamos perante o mais forte impulso de sempre dado à bicicleta. Já para não falar que à velocidade que fecham empresas, em muitas estradas do país foi substancialmente reduzido o trânsito nas horas de ponta!

Por vezes confunde-se a fome com a vontade de comer. É fácil -e cada vez mais comum nos exemplos que nos chegam de cima- encontrar soluções populistas para problemas estruturais. Institui-se universalmente a teoria do utilizador-pagador e aquilo que é um problema de todos, merecedor duma solução global, passa a ser um problema de cada um, a ser resolvido de forma individual. Tenho a certeza que o aumento do custo de vida tem levado muitas pessoas a considerar alternativas na sua vida. Há seguramente quem tenha descoberto a bicicleta por causa do aumento do preço da gasolina. Daí até se concluir que aumentar o preço dos combustíveis é resolver os problemas da mobilidade, ou que por essa via se promove a bicicleta, vai um grande engano. Quando ouço vozes a pedir aumentos ainda maiores para a gasolina, pois dessa forma as pessoas deixariam de vez o popó parado, creio que o essas vozes esquecem é que o pão que lhes cala a boca, o leite dos petizes, a saladinha que levam na lunch box tão cool, não chegam montadas num burro!

Ver no automobilista um inimigo, alguém que vive nas trevas, que polui só porque quer, que odeia a vida, alguém que vive empenhado em destruir a Terra, ver em cada automobilista a personificação do mal, um Barbodemo! não nos leva muito além do ponto a que chegámos. Talvez ver em quem está sentado ao volante um possível-futuro ciclista, seja meio caminho para se conseguir transformar mentalidades. Não é por eu andar de bicicleta que tenho uma qualquer superioridade moral, nem foi por via dos pedais que adquiri o direito de julgar os outros apenas pelos meus interesses. Lá porque quando me desloco de bicicleta não gasto petróleo, não me nascem verdades absolutas na cabeça. A minha opção de vida, a minha escolha velocipedista é um exemplo de mobilidade mas tem de ser também um exemplo de cidadania, de respeito, nunca um motivo de conflito.

Ninguém contesta a imagem de ser o carro muito mais potente que a bicicleta. O mundo do carro quero eu dizer. Enfrentar um mundo tão vasto e poderoso como o do carro requer mais que um par de punhos. Requer perceber bem o que está em jogo do lado de lá. Que interesses se fazem transportar de carro, quem se alimenta desta dependência. Quem ganha com as PPP rodoviárias e quem lucra com o fecho da linha férrea. Quem enriquece com os lucros da GALP e quem constrói parques nos centros das cidades. Quem tem ganho com o atraso da rede de bicicletas partilhadas em Lisboa. Quem encolhe a barriga em cima da bicicletas de frente para os fotógrafos mas não mexe uma palha para punir quem estaciona no passeio? Sim, porque aqui como em quase tudo, há a quem apontar dedos. Ou não há? O que foi que tornou possível que em países com muito mais poder de compra, os cidadãos optem por limitar a dependência do automóvel? Pode ter acontecido que os cidadãos desse lugares tenham perdido a paciência e tenham punido quem lhes tolhia a qualidade de vida. Pode ser que se tenham tornado exigentes. Lutar contra o poder do carro requer que se escolha bem os aliados, que não se acabe a dar armas aos que nos garantem um futuro em quatro rodas. Mas implica também olhar do lado de fora do pára-brisas e perceber que quem vai lá dentro é sobretudo vítima.

Porém o mundo gira e as coisas mudam. No império do carro, nos Estados Unidos da América, um recente estudo deu conta que pela primeira vez o carro deixou de ocupar o primeiro lugar no sonho americano dos jovens gringos. Na última década e pela primeira vez a industria automóvel dos EUA vendeu marcas e a capital do carro Detroit, quase que desapareceu do mapa. O preço dos combustíveis e o fim dos apoios federais aos SUV levou ao primeiro lugar das vendas, marcas asiáticas e o diesel entrou no léxico dos automobilistas. Marcas alemãs publicitam os modelos de topo com base nos baixos consumos. Os motores já não se medem apenas em cavalos mas sobretudo em quilómetros por litro. Tornaram-se blue e green. Novos motores eléctricos podem-se recarregar como um vulgar telemóvel. O carro é cada vez mais um electrodoméstico. Acabar com a supremacia do carro nas nossas cidades passa seguramente por escolhas pessoais que vão muito para lá das questões da mobilidade.

VIVA O PASSE SOCIAL!

Posted in cycle to know with tags , , , , on 21 de Agosto de 2012 by Humberto

Decidi dar a cada um dos quatro temas recorrentes enunciados no artigo anterior, um texto. Hoje escrevi sobre os transportes públicos, o próximo artigo será dedicado ao automóvel, o seguinte às ciclovias e por último escreverei sobre o capacete. Sempre com a perspectiva de quem vai no selim da bicicleta.

—§—

A empresa que não queira ter de pagar aos seus funcionários os custos da depêndencia do carro particular para ir trabalhar não será tão sensível aos chamados “bons acessos rodoviários”. A empresa à qual os seus trabalhadores chegam por transporte público sabe que têm mais qualidade de vida. Têm custos de mobilidade muito inferiores aos do trabalhador que necessita do automóvel, têm mais rendimento disponível. São melhores consumidores, porque consomem mais.

O transporte colectivo é o meio mais eficiente de mobilidade urbana. Partilhando um vértice do triângulo com o automóvel e com a bicicleta, oferece o conforto dum e a liberdade do outro. A integração dos  sistemas de transporte duma cidade numa rede intermodal reveste-se duma importância muito para lá da quantidade de passageiros que transporta. Mais que mover multidões em barcos, eléctricos, autocarros, metros e comboios, o sistema de transportes conduz o crescimento da urbe, marca o ritmo, recria paixões. Os percursos e os horário são as ferramentas com que a rede molda a forma e o conteúdo da cidade.

Dentro duma carruagem há livros, música, encontros, assaltos, drama, destruição, ideias, soluções, compra e venda. Da janela do eléctrico encomenda-se o almoço, entra o jornal, dá-se um calduço, ouve-se os bons dias e atira-se um piropo. Pela janela do eléctrico entra o cheiro do rio e do pregão. Da janela do eléctrico vê-se a paragem, e a puta, o turista, o bancário, o carteirista, o soldado e o polícia.  Dentro dum autocarro vai um bairro que passa por outro bairro e por outro, até que se enche de toda uma cidade. Todas umas vidas. E é esta cidade cheia de vidas, a despertar com os primeiros raios de luz, que vê quem vem e atravessa o rio. Há lá vista mais bonita?

O papel chave que os transportes públicos têm na vida de milhões de cidadãos e a importância enquanto geradores e dinamizadores de actividade económica, tornam-nos presa dos ultra-neoliberais que têm gerido e gerem os destinos da Europa. Por cá há muito que, ao mesmo tempo que os transportes públicos são conduzidos por avenidas onde apenas circula o interesse comercial, é desvalorizada a importância social dos serviços e arrasada a imagem pública dos funcionários. Após a aplicação das mais recentes decisões políticas na rede de transportes nacional, os transportes colectivos de Lisboa perderam passageiros mas aumentaram as receitas.

Embora haja menos pessoas a andar de transportes públicos -e isso deve-se a diversas razões, houve um aumento significativo no valor cobrado pelos bilhetes. Foram suprimidos horários e fechadas carreiras, a qualidade do serviço de alguns operadores diminuiu significativamente a par da redução dos incentivos a grupos específicos de passageiros. E o resultado qual foi? Menos utentes pagam mais. No Reino Unido, três décadas depois da choque privatizador tatcheriano, discute-se a re-nacionalização dos caminhos de ferro britânicos, numa altura em que se anunciam aumentos de mais de 6% nos bilhetes.

O transporte colectivo é de tal forma vital que os seus destinos têm de se manter na esfera pública. Só dessa forma preservam a sua posição de vanguarda na obra que é fazer a cidade. O transporte público é o grande aliado dos meios suaves por ser o verdadeiro predador do automóvel. Os utilizadores de bicicleta, mesmo que não sejam utentes, são dos maiores beneficiários duma boa rede intermodal. E a eficiência da rede de transportes é conseguida, não com um redutor deve-a-haver de mercearia mas pela capacidade que tem de irrigar de carne e sangue humano as artérias, ruas e avenidas, levando vida a todo o corpo da cidade!

CICLISTAS MARGINAIS

Posted in cycle of sighns with tags , , , , , on 14 de Abril de 2012 by Humberto

Existem junto das entradas do passeio marítimo de Oeiras, na Marginal, uns sinais colocados pela Câmara Municipal condicionando, proibindo, a circulação em bicicleta. Sinais que são das coisas mais estúpidas que uma Câmara já fez! A de Oeiras achou que tinha de limitar o acesso a quem pense em ir de bicicleta para a faixa ribeirinha, por alegadas razões de segurança. Para evitar acidentes entre quem por lá caminhe e bicicletas, a CMO proibiu o acesso a velocípedes. Repito: é uma decisão estúpida sem qualquer sentido de justiça e perfeitamente irresponsável! A bicicleta é um veículo de passeio mas também é um veículo de transporte. Um cidadão pode usar a bicicleta para dar um passeio na zona ribeirinha de Oeiras e pode usar a bicicleta para se deslocar passando por essa mesma zona. Um munícipe pode chegar lá com a bicicleta em cima do carro, descarregar a bicla e dar por ali umas pedaladas ou pode ir até lá a pedalar desde casa. Uma pessoa pode ir sozinho ou levar os filhos de qualquer idade, a mãe, a avó, o vizinho ou quem quiser e ir pedalar junto ao rio.

Nos trajectos que um cidadão percorre no concelho de Oeiras quantos perigos enfrenta? Quantos atropelamentos ocorrem em Oeiras provocados ou sequer envolvendo bicicletas, por dia? Quantos cruzamentos, quantas ruas há no concelho de Oeiras sem passadeira? Quantas ruas há sem passeios? Quantos automóveis estão neste momento -em qualquer momento- estacionados em Oeiras de forma ilegal, pondo em risco a segurança dos utilizadores da via pública? Quantos automóveis são multados diariamente em Oeiras por velocidade excessiva ou mau estacionamento? Quanto gasta a CMO em arranjos de passeios devido aos danos causados pelo estacionamento abusivo? Quantos acidentes na via pública têm lugar em Oeiras por falhas de segurança?

Se a circulação de pessoas, porque é disso verdadeiramente que se trata, tem de ser limitada no passeio da Marginal em Oeiras, evocando questionáveis razões de segurança,  porquê só a quem quer circular de bicicleta? Então e quem escolher calçar um par de patins? Ou for de trotineta? Ou levar cães e ainda por cima com aquelas trelas extensíveis? E quem empurrar uma cadeira de rodas? E não serão os calções curtos de jogging um atentado à segurança cardíaca? Independentemente da perigosidade efectiva que são os eventuais danos causados numa criança pelo impacto com uma bicicleta circulando ainda que a muito baixa velocidade, será proibir a circulação em bicicleta a solução? E o que dizer do horário? De Abril a Outubro pode-se pedalar entre as 8 da noite e as 9 da manhã. Porquê? Porque não entre as 5 e as 7 da manhã e entre as 17:45 e as 22:17? Porque apeteceu ao empregado do Isaltino escrever aqueles algarismos e não outros quaisquer? E qual a razão para a exclusão permitir crianças até aos oito anos? Quer dizer que os pais das crianças constituem um perigo e os petizes não? Será que uma criança de oito anos não consegue pedalar depressa nem nunca poderá provocar um acidente?

No meu commuting cruzo-me com todo o tipo de ciclistas, desde o bike ninja ao licrafanático, a menina na bicicleta com cestinho e a velhinha pasteleira, o ranger da bicicleta de supermercado e a ligeireza da dobrável very english. Pessoas de colete reflector e capacete e outros de blazer e cycle cap. Uma coisa arrisco concluir: a atitude na “estrada” de quem pedala tem tudo que ver com o aspecto gráfico do conjunto homem-máquina e sugiro até um ditado, para constar num futuro dicionário, do tipo “diz-me como te vestes, dir-te-ei como pedalas”. Em paralelo, o aumento significativo de ciclistas urbanos a pedalarem em circuitos até há pouco exclusivamente utilizados por bêtetistas pouco convictos, faz com que os ciclistas mais desportistas se comecem a sentir assim a modos que deslocados. Realmente enfiar o corpito dentro duma fatiota plastificada e no mínimo de gosto duvidoso para ir pedalar para a Baixa é, direi curioso… Em Monsanto, no Jamor ou à volta da albufeira do Alqueva, ainda vá, mas na ciclovia do Tejo!?

Quero com isto dizer que não é preciso proibir -fosse isso possível! um determinado tipo de roupa para prevenir determinado tipo de comportamento. Sim, é de comportamento que estamos sempre a falar nos blogs sobre bicicletas, ou não é? Não é por proibir o excesso de velocidade na auto-estrada que o pessoal vai passar a poupar no combustível, ou é? Com sinalética própria, algumas marcações no pavimento e uns cartazes com umas dinamarquesas giras (porque não?), seria perfeitamente possível adaptar o trajecto, agora vedado aos ciclistas, à sã convivência de todos, de forma normal e civilizada. Se esse tivesse sido o caminho, teria a CMO dado prova efectiva de preocupação com a segurança dos seus munícipes e de todos os que visitam o passeio marítimo de Oeiras, independentemente da forma como se fazem delocar. Demonstraria bom senso no pensamento, inteligência no estudo e vanguarda na acção.

Uso quase diariamente o passeio de Oeiras, na medida em que tenho por principio utilizar as vias que me permitem circular com maior segurança. Adapto a minha velocidade de acordo com a via e com o trânsito, seja ele pedonal ou motorizado. Poder pedalar ao longo da água é não só um prazer individual pela paisagem que me acompanha mas também porque me cruzo com pessoas que partilham sentimentos semelhantes para com aquele espaço. A bicicleta é um veículo que, ao contrário do automóvel, promove a interacção e da integração. A Marginal é um lugar privilegiado da foz do Tejo. Percorrer toda a extensão desde Algés até Cascais ao longo do rio já mar, seja de carro, bicicleta ao a pé, permite desfrutar de boas vistas em lugares muito bonitos e agradáveis. É um caminho que se pode fazer a qualquer hora do dia ou da noite, em ambas as direcções e com qualquer tipo de tempo, sempre com prazer.

A atitude da CMO promove a associação entre insegurança e bicicleta. Faz com que alguns cidadãos -uma minoria, é verdade, que se cruzam comigo  me olhem de lado, com cara feia, como que dizendo “oh palhaço, não sabes que não podes andar aqui”. Esta proibição estúpida e injusta é mais uma prova que muitos autarcas, apesar de acções pontuais de relativo impacto mediático,  continuam ancorados numa arquitectura de pensamento contrária aos interesses da bicicleta. Proibir as pessoas de pedalar não resolve nada. As pessoas devem não só ser autorizadas a pedalar como devem ser incentivadas a pedalar. Pedalar aproxima-as umas das outras e do espaço que partilham. Torna-as mais parte do espaço comum. Pedalar torna-nos mais responsáveis para com o ambiente. Pedalar torna-nos melhor cidadãos. Perceber isto é meio caminho para não proibir ninguém de pedalar.

Não são umas ciclovias abandonadas e ineficientes ou meia dúzia de horas de Marginal sem carros que resolvem problemas estruturais e contribuem para uma melhor mobilidade no concelho de Oeiras. Todas as semanas aumentam as razões para experimentar ir para o trabalho de bicicleta na razão proporcional do aumento dos combustíveis e multiplicadas pelo preço-dos-transportes. A bicicleta está aí para ficar e proibir é não estar a ver um boi à frente do nariz! Será o caro leitor um commuter em Oeiras ou na Linha de Cascais? Utiliza o prezado leitor o passeio marítimo apesar da proibição? O que acha que podemos fazer para corrigir a situação?

AO CUIDADO DO SENHOR COSTA

Posted in cycle of sighns with tags , , , on 28 de Março de 2012 by Humberto

A condição fundamental para acontecer a tão necessária transformação na cidade de Lisboa no que à mobilidade diz respeito, é vontade política. E digo Lisboa como posso dizer qualquer outra cidade já que a transformação necessária que por aqui é costumeiro falar-se, faz falta no país como um todo, logo também nas suas partes. A vontade política é a que permitirá que a questão da mobilidade seja olhada como prioritária, que a necessidade da transformação seja entendida como urgente. Que se coordenem gabinetes, pensamento, recursos e actos. Mas mais importante, é a vontade política que permitirá que se construa um discurso capaz de resistir aos velhos do Restelo conquistando os demais cidadãos da, provando-lhes que a transformação é benéfica para a cidade e melhora efectivamente a qualidade de vida de quem a habita e visita. Tomemos o exemplo da capital. A actual presidência manifestou vontade política para alterar o estado das coisas ainda antes de ocuparem os gabinete. Existia a tal condição fundamental, portanto poder-se-ia dizer que a transformação estava em marcha.

A revisão dos valores assumidos nas questões da mobilidade está a acontecer um pouco por todo o mundo. Muitas cidades e Estados empreendem neste momento projectos que lidam com problemas particulares e com outros mais globais, mas em todos a grande novidade é serem pensados desde a perspectiva do olhar e à velocidade do andar do peão. A humanização das cidades não é mais que a devolução ao peão do lugar centrar que lhe é devido por direito. Esta abordagem leva à redução da área dedicada ao trânsito automóvel e da velocidade de circulação; gestão do estacionamento -quando não é por e simplesmente abolido; desactivação dos sentidos únicos; incremento dos sistemas colectivos de transporte pelo aumento da oferta e integração do sistema tarifário; aumento das zonas pedonais seja para circulação ou para descanso; construção de infraestruturas para a circulação em segurança de bicicletas; remoção ou adaptação de barreiras à circulação de pessoas. Em traços gerais tudo passa um pouco por implementar este tipo de soluções, independentemente do estádio de desenvolvimento em que a cidades se encontram. A bicicleta ganha particular importância por ser o meio de transporte que permite verdadeira e total liberdade de movimentos no espaço urbano, solucionando não só o problema do utilizador como também o problema dos à sua volta.

Não é tarefa fácil enfrentar situações estabelecidas desde tempos imemoriais, poderes seculares, pensamentos encrostados. A batalha pela mudança é sempre difícil e por isso requer ser bem planeada. É necessário convencer os visados que as alterações serão positivas para os próprios para lhes ganhar o apoio e tentar conquistar os cépticos. Há que libertar muita informação. Monitorizar cada alteração, fazer ajustes à medida que as medidas forem sendo transpostas para o terreno, ir construindo como se fosse um Lego, peça a peça, cada uma em cima da outra, bem encaixada, para que vá fazendo sentido na cabeça de quem vê, de quem vota. Voltamos ao exemplo da capital. Em Lisboa os transportes públicas estão mais caros e oferecem pior serviço. Continua a ser fácil estacionar sem pagar, com muitas zonas sem parquímetro e tolerância para com o estacionamento abusivo e ilegal. Não há fiscalização de limite de velocidade para além dos risíveis radares. Continuam a ser projectados parques de estacionamento em zonas nobres e bem servidas de TP. As ciclovias contribuem para a redução dos passeios oferecendo ainda por cima, uma muito melhor superfície para andar a pé que a mal tratada calçada portuguesa. Rede de ciclovias desintegrada e pensada apenas em total de quilómetros -basta ver que a CML contabiliza os trilhos de Monsanto da mesma maneira que os urbanos. Se somarmos a isto uma vereação de candeias às avessas e um presidente sem mão nos boys, temos um quadro dramático que atinge proporções trágicas quando consultamos alguns lugares.

Quando ouço falar na dificuldade que é mudar alguma coisa num cidade como Lisboa e no tempo que estas coisas levam sempre, costumo responder que difícil é mudar em Londres com os seus mais de dez milhões de habitantes, ou em Paris, Melbourne, Curitiba, ou em Sevilha que é a capital da mais pobre região de Espanha e no entanto… Cidades onde a vontade política existe mesmo e não é apenas mais uma peça na básica retórica demagógica que sabe que não se apanham moscas com vinagre. O filme que se segue não é novo mas mantém muita actualidade. Vem de New York, onde nem tudo é Manhattan, mas cujo conservador mayor teve a vontade política e a capacidade de fazer. Sabendo todos do atraso com que os políticos do arco do poder lusitano reagem à realidade, espero que seja visto e ouvido por quem tem responsabilidades e os faça corar de vergonha pelo tempo que andam a empatar, pela falta de tomates para fazer alguma coisa verdadeiramente de jeito!

ENTRE AMESTRADÃO E ATENAS

Posted in cycle to know with tags , , on 25 de Outubro de 2011 by Humberto

A crise das dividas e o problema do financiamento das economias, públicas e privadas, em que nos mergulharam não é mais que o resultado do normal funcionamento da especulação dos mercados, instituições bancárias internacionais com recursos a fundos de diferentes proveniências, em busca da maximização do lucro e obedecendo às regras da economia neoliberal. Podemos e devemos detalhar a situação económica actual em busca da resolução dos problemas, mas enquanto não admitirmos que é no sistema económico vigente que está a origem dos problemas, não nos aproximaremos da solução.

A dependência externa nacional passa sobretudo pela importação de combustíveis. Podemos, se essa fosse a vontade de quem define as políticas estratégicas, passar a produzir mais comida, mais vestuário. Portugal já foi praticamente independente em aço e vêm agora felicíssimos anunciar que passaremos a exportar minério em bruto, continuando assim como país exportador de produtos de baixo valor acrescentado. Temos mar com fartura que facilmente nos alimentaria de peixe. Temos clima e paisagem para sermos um destino turístico de excelência. Tudo isto apenas está dependente do Governo ordenar políticas de interesse nacional.

Mas não pode o Governo declarar que há petróleo no Beato e resolver a dependência energética nacional. Portugal precisa urgentemente duma estratégia de transportes que dê prioridade ao transporte colectivo, à linha férrea na média e longa distância e ao metro e autocarros nos circuitos urbanos. Necessita de requalificar os vários centros das cidades e não apenas a parte histórica, com acessos pedonais de forma a dinamizar o comércio local e a poupança de combustível. Além de permitir melhor qualidade para o tráfego pedonal, facilitará a utilização da bicicleta com comprovados benefícios para a saúde dos cidadãos.

Estas opções são tão urgentes quanto sabemos hoje o que está a ser feito noutras latitudes para enfrentar problemas semelhantes e conhecemos o que foi feito há décadas em países que não têm hoje os problemas que nós enfrentamos. O que choca é ver diariamente os governantes apenas preocupados em aprofundar as políticas neoliberais que nos conduziram ao presente. Insistirem em penalizar ainda mais o factor trabalho, a destruírem a capacidade dinamizadora da classe média, a empobrecerem criminosamente os pensionistas, a destruírem direitos obtidos com a revolução que derrubou o regime fascista. O que se ouve todos os santos dias é a intenção de desinvestir no ensino, na saúde, nos transportes e fragilizar ainda mais quem vive do trabalho. Ou eu estou enganado?

O que hoje aqui me trouxe relaciona este presente de incerteza e muita revolta com a necessidade duma verdadeira transformação do paradigma na mobilidade. Enfrentamos um grave problema de dependência energética e sofremos uma mortandade recorde nas estradas. Dois problemas comuns com a situação vivida nos Países Baixos na década de setenta do século passado. Muito do que é hoje o país das tulipas e dos tamancos em matéria de mobilidade urbana, está retratado no filme que se mostra abaixo. Todas as notícias que nos chegam da Grécia confirmam os terríveis resultados das receitas que nos estão a aplicar cá. Só não percebo é porque há tamanha resistência a aplicar outras receitas cujos resultados são igualmente conhecidos!

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