De repente e num só fim de semana, aconteceram em Lisboa três iniciativas mobilizadores de ciclistas. A azafama começou no sábado com o Lisbon Cycle Chic versão 1.2, despertou o domingo no Lisbon Bike Tour 2011 e terminou à tarde no 1º Naked Bike Ride. Apetece perguntar que seria dos ciclistas alfacinhas se não soubessem inglês? Mas adiante que as questões de idioma são meras picuinhices.
Todo o país tomou conhecimento sobre as diferentes passeatas por via das abundantes reportagens televisivas, radiofónicas e impressas. Mas será que o país foi devidamente informado? Será que os três acontecimentos originaram uma reflexão minimamente séria sobre o que ocorreu neste mui sui generis último fim de semana de Junho? Não me parece. Seria pedir demasiado a uma classe automobilizada e desmobilizada de causas.
Tanto o LCC como o NBR são eventos que pela dimensão e adesão, e pelos meios logísticos envolvidos, não se podem comparar ao LBT. Enquanto em cada dos dois primeiros estiveram cerca de 200 bicicletas, no segundo participaram para cima de seis mil pessoas. Olhando as fotografias de todos os eventos, o único fator comum é a bicicleta, embora nas de domingo à tarde outro atrativo motivo de interesse rivalizasse com os pares de rodas. Sabe bem ver que a Federação de Cicloturismo se associa aos eventos amadores mas é triste que a organização do Tour da ponte deixe de fora quem mais e melhor pugna pela bicicleta no nosso país.
Se ao chic se associaram duas lojas ativistas e uma marca dentro do espírito, já ao nu nem um vendedor de havaianas ou designer de biquínis quis despir o seu nome de preconceitos. Por outro lado, no outro lado do rio, até um fabricante de automóveis se associou a outras grandes empresas nacionais e várias mais pequenas, mais as autarquias de Lisboa e Loures e, imagine-se, a Associação Portuguesa de Surdos! Só parceiros de media foram quatro incluindo a rádio e televisão públicas e um jornal de negócios…
O LBT é um acontecimento puramente comercial, onde a troco de umas bicicletas de supermercado -pagas pelos inscritos! uma série de entidades se promovem, sob a capa de nos consciencializar para a necessidade dum futuro melhor. Pragmaticamente a verdade é que se muita daquela gente que, enfiada dentro de autocarros fez um domingo mais poluído, nunca dará uso à bicicleta que leva para casa ao ponto de perceber que aquilo não vale um chinelo, também é verdade que prova que com o incentivo correto milhares de pessoas enfiam um capacete horrível e ridiculamente verde na cabeça e pagam para atravessar o Tejo de bicicleta. Mais de seis mil pessoas foram ciclistas por breves momentos, gosto de acreditar que alguns ganharam o bichinho…
Quem por aqui vai passando saberá da minha opinião sobre a importação do conceito cycle chic. Não há evidentemente em Lisboa, ou noutra cidade portuguesa, matéria prima suficiente para alimentar um blog de fotografias que faças jus ao espírito da coisa. O Miguel tem no entanto feito um trabalho hercúleo na dinamização do chic virtual e do chique concreto e o encontro do Campo Pequeno é disso prova. Claro que o facto de aparecerem uns crominhos de joelheiras e cotoveleiras ou umas betetes xispête-ó só pode ter que ver com a conhecida incompatibilidade dos portugueses com o inglês técnico.
A maioria dos jornalistas, porque não percebem como se pode andar a pedalar só porque sim às voltas em Lisboa, a não ser para dar nas vistas e sair de casa mascarado, logo reparam que afinal só havia um ciclista de sombrinha e uma ciclista de chapéu a la Côte d’Azure. E por aqui se fica a possibilidade de falarem e escreverem sobre os mitos das colinas e do esforço para as subir, do medo do trânsito automóvel, das aberrantes ciclovias do senhor Zé, ou até e simplesmente de como pode ser normal andar de bicicleta na cidade, apenas com a roupa do dia a dia! Cheira-me que com a precarização nos medium e a diminuição geral de rendimentos de quem vive apenas do trabalho, a classe jornalística será das que mais depressa porá os pés nos pedais… mas isso é outra história.
Arrisco-me a dizer que o LCC é uma excelente oportunidade para nos encontrarmos espalhados pelos bancos do jardim e estender as bicicletas na relva, e ao sabor dumas imperiais e ao som de amenas cavaqueiras, convivermos também a falar de bicicletas. Talvez o LCC possa ser uma coisa mais informal, sem batedores nem ambulâncias*, em que o prazer esteja na viagem que todos faremos para lá chegar e, porque não, num passeio de 15 minutos à volta dum par de quarteirões em vez de quase uma vintena de quilómetros à moda da Massa Crítica. Para mim isto do chic é uma coisa mais contemplativa, mais na onda do “e na próxima semana vou ser o mais chique de todos!”
Para o fim ficou o último mas que era sem dúvida o mais aguardado dos três passeios. Conhecendo a capacidade interpretativa dos media antevi que a nudez anunciada, mais ou menos efetiva, relegaria para secundaríssimo plano os principais propósitos dos organizadores. Como é evidente não existe uma cidade de qualquer país onde seja possível circular como se veio ao mundo. Lisboa nem nisso é original. A originalidade prende-se com o facto de aqui a polícia se dar ao trabalho de mais uma vez evidenciar ao mundo a tacanhez e o provincianismo dos costumes.
Se todas aquela gente que foi desde o Parque Eduardo VII até à Torre de Belém tivesse mesmo tirado toda a roupa, o que é que a polícia faria? Deteria todos? Distribuiria mantas do exército? Ofereceria preservativos? Carregava a cavalo? Despia as fardas e dançava apenas com os cassetetes na mão? Taparia os olhos dos desprevenidos transeuntes? Que imagem ofereceriam aos turistas os policias? É que para a maioria das pessoas que das beiras dos passeios assistissem ao desfile dos ciclistas nus, a novidade seria a reação das forças da ordem.
Desde que soube da ideia de se organizar um desfile nu em defesa da bicicleta pelas ruas de Lisboa, que achei que a visibilidade do acontecimento ficaria preso aos corpos dos ciclistas e nem reparariam nas bicicletas. Assim de repente só me consigo lembrar da parte debaixo dum biquíni preto e esta nem é a minha cor preferida para usar na praia… Proponho que no próximo Naked Ride se vá apenas vestido com capas de chuva transparente e se transforme a defesa por uma mobilidade sustentável na luta por uma mentalidade sustentada! Ao menos assim poderia ser que os jornalistas falassem das bicicletas na cidade… Que me dizem?
* Acrescento que não houve ambulância no LCC.
Houve foi uma viva argumentação entre alguns ciclistas mais militantes e experientes e um polícia menos habituado às bicicletas e pouco sensível ao espírito de quem em cima delas desfruta da vida.
A autoridade defendeu a obrigatoriedade da presença dum veículo desse tipo, ainda para mais sabendo que o organizador tinha ido de charola, com argumentação meramente formal como aliás lhes é habitual, à autoridade claro.
Num país onde a assistência médica de proximidade é cada vez mais gerida desde uma visão troiquista (não confundir com Trotskista!), é aberrante –to say the least– este tipo de exigências.
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