A escola é um porto de abrigo de onde se parte na aventura do conhecimento. É à escola que vamos para nos tornarmos cidadãos mais conscientes e participativos na sociedade em que vivemos. Por muitas ideias diferentes de escola que tenhamos, coincidiremos na obrigação que esperamos ser atributo da escola: um exemplo de valores e um modelo de comportamento. Pelo menos é desta forma que penso a escola. Já aqui prosei de como a escola, ou a falta dela, é também um problema de mobilidade. Hoje venho porque a escola da mobilidade é um problema de educação.
Na rotunda da via rápida (adoro este nome) que liga a Marginal à A5, que dá acesso ao centro de Carcavelos, esteve “abandonada” uma pickup com atrelado pertencente à Escola de Condução de Carcavelos, do grupo Segurança Máxima, que dessa forma se fazia anunciar a quem passava. Até aqui nada de novo, já que são frequentes os camiões estacionados por este país fora em lugares estratégicos, transformados em outdoors gigantes. “E se deixássemos o carro ali na rotunda parado de forma a que quem passe fique a saber da existência da nossa escola e venha cá dar-nos o seu dinheirinho? Poupávamos na publicidade e ainda mostramos que temos bons carros”, devem ter pensado os gestores da E de C de Carcavelos. Assim como assim têm de compensar os baixos preços anunciados. Só que a coisa não correu bem: vieram os senhores da empresa de estacionamento e zás! bloquearam a furgoneta modernaça e o atrelado!
Tendo em conta a importância que o automóvel ocupa nas nossas vidas, não é preciso elaborar muita teoria para reconhecer a importância que têm as instituições onde vamos aprender a conduzir-los. Em sociedades carrocêntricas como a em que vivemos, as escolas de condução têm um peso muito superior na formação dos cidadãos, mais do que a responsabilidade que lhes é exigida. Mais do que uma simples formação técnica e prática sobre a utilização da máquina/veículo automóvel e como coabitar na estrada com os outros condutores, é nas escolas de condução que aprendemos o código da estrada e as suas regras. Mais do que aulas sobre mecânica e com fazer um ponto de embraiagem, é nas E de C que aprendemos o Código da Estrada.
Quando uma E de C escolhe estacionar as suas salas de aula à lá garder pelas bermas das estradas à volta de Lisboa revela não só incumprimento das regras contidas no manual que se propõe leccionar, mas também uma profunda falta de civismo ao usurpar espaço público para seu exclusivo benefício. Atendendo neste sinal exterior de chico-espertismo que tipo de condução ensinarão nesta escola? Que espécie de condutores formará esta gente? E lembro que isto acontece num país onde uma professora não pode mostrar as mamocas por dar um mau exemplo à criançada!
A integração no ensino normal da aprendizagem das normas de circulação na estrada e na via pública, seja enquanto peões -que somos todos- patinadores, ciclistas ou motoristas, seria uma prioridade se a segurança rodoviária fosse realmente uma preocupação para quem nos governa. Se a educação física é importante para o desenvolvimento individual dum miúdo de dez anos, saber comportar-se na estrada também o é, e pode salvar-lhe a vida. De que morrem mais crianças em Portugal, de doenças sexualmente transmissíveis ou de acidentes de viação? Se se considera a maternidade adolescente um problema com custos sociais altos, porque não se olha com mais atenção para que prováveis futuros condutores estamos a preparar? Porque não há nas escolas Educação para a Mobilidade a par da Educação Sexual?
Não estou à espera de dar o pontapé de partida num debate nacional sobre esta questão, nem sequer proponho um aumento da despesa do Estado, a não ser claro está, se contratarem estudos de consultoria aos ex-directores dum qualquer instituto público encerrado. Também sei que há escolas em que as questões da mobilidade estão presentes nos afazeres académicos das criancinhas, da mesma forma que sempre houve professores que se interessaram por transmitir aos alunos um pouco mais de mundo para além das formatadas páginas dos manuais escolares. Mas se uma criança tem de aprender as regras do futebol, porque não pode aprender a andar de bicicleta na escola? Pronto, dirão alguns que já estou a delirar!… Estarei?
Quando encontramos na rua um carro de instrução temos sempre a tendência a enfatizar o seu comportamento. Ou porque vai a empatar, ou porque não usou o pisca, ou porque parou na passadeira, ou porque lhes lembrei a mãezinha quando me fazem razias. Até há pouco tempo muita gente pensava que se podia aprender a conduzir se se comprasse uma determinada marca de farinha e mais tarde veio a provar-se que não era bem farinha que alguns instrutores pediam por favor… Os carros das E de C são assim uma espécie de concentrado da fruta que se encontra pelas estradas. E já agora, se são escolas porque em vez de professores têm instrutores? Não é um bocadinho esquisito?
Moral, ou melhor, morais da história? Primeiro, afinal sempre há quem controle o estacionamento em Carcavelos, mesmo que seja só à volta da vila e onde não incomoda os transeuntes. Segundo, a E de C de Carcavelos não é lá grande coisa como exemplo e não mostra muito respeito pelo Código da Estrada. Terceiro, este é o artigo do blog com mais pontos de interrogação. Quarto, mais uma vez se verifica a máxima: não basta ser, há que parecer.