Este texto também se podia chamar drive-in shopping, conceito que muito me admiro não ter ainda sido devidamente implantado por estas lusas terras. Mas vamos por partes.
Que as grandes superfícies comerciais retiram clientes ao comércio tradicional já restam poucas dúvidas. Crescendo as cidades na periferia, é legítimo que cresça o número de clientes que se têm de satisfazer nas suas necessidades de consumo. Sendo essas novas “cidades” autênticos aglomerados de bairros onde raramente se contemplam lojas nos prédios construídos, torna-se compreensível que as lojas -porque tem sempre de haver lojas- sejam construídas noutro lado. Como se sabe esse “lado” são os centros comerciais.
No entanto também é verdade que desde sempre, em Lisboa desde a construção do centro comercial das Amoreiras, foram sendo construídos espaços deste tipo dentro de zonas da cidade onde o eventual aumento do número de consumidores não o justificaria per si. Ou seja, não havia uma saturação de clientes nas lojas locais, nem esses espaços foram ocupados pelas “lojas do bairro” que dessa forma procuraram aumentar a sua oferta.
Olhe-se para o c. c. Colombo por exemplo. A zona de Benfica-Lumiar-Luz não estava carenciada de comércio de modo a justificar aquele colosso de betão e ferro que ali implantaram. Mesmo a construção do interface rodometropolitano não serve razoavelmente de justificação. O objectivo do Colombo não foi claramente o de suprimir uma carência local, mas uma bem mais global.
E isto liga com a bicicleta, onde? já perguntará o leitor mais impaciente. Lá chegaremos… Uma das principais características dos c.c. é o gigantismo dos parques de estacionamentos, pagos na sua maioria, claro. No Colombo onde, de tão grande que é, tem frequentemente pisos fechados. Ou seja, estes parques são projectados com base numa afluência massiva de clientes que até eles é esperado que cheguem de automóvel.
Voltando aos lojistas de bairro, que vêem invariavelmente o seu futuro escurecido pela sombra dos c.c., ouviram sempre dizer que “a coisa não é bem assim”, “que é o progresso a progredir”, “que temos que nos adaptar aos tempos modernos” e “que não se preocupem porque a concorrência fará sempre triunfar os melhores” e “nós -o governo e as câmaras- cá estaremos para os ajudar a ultrapassar estes tempos de mudança”.
Ora é exactamente aqui que a porquinha torce o rabito! Uma coisa é o que se faz, outra coisa é o que se diz que se vai fazer. Por mais palavras, os Colombos fazem-se, as outras coisa vão fazer-se. E que coisas são essas? Coisas úteis. Como? Então… como nos c.c.! Lojas em ruas sem carros e com estacionamento perto, mesmo pago. Não me gritem já que isso é impossível! e que os portugueses adoram c.c.! Até podem adurar, mas já viram alguém vestido com um coçado fato-de-treino a passear o bólide nos corredores do Colombo?
Infelizmente, em matérias de urbanismo, Lisboa, ou mesmo a maioria das cidades do nosso país, não é exemplo. Passemos os olhos pela memória que resta do que nos foi prometido para o pós-Expo98 e depois atentemos no que lá vemos hoje. transformado o pomposo Parque das Nações… Profissionalmente, já acompanhei um grupo de congressistas em visita por diversos locais da nossa capital. Eram arquitectos de diferentes países que vieram ver maus exemplos na nossa mal tratada Lisboa. Exactamente! foram ver “o que não fazer”, in situ, in Lisbon! Foi há muito tempo. Nessa altura fiquei triste e ao mesmo tempo contente porque pensei “se já demos com o galho, alguma coisa vai ter de mudar”. Pois, mas não mudou. Por onde então os acompanhei, está tudo na mesma… E se se aprende com os maus exemplos, como já escrevi aqui, os bons exemplos são para copiar. Acredito que, porque os há, os podemos encontrar e adaptar como coisas úteis.
E as bicicletas, senhores?… Ora nem mais! Quando esta cidade criar condições para que possamos andar a pé, de skate, de patins, de bicicleta ou com carrinhos de bebé. Quando os jardins substituírem os parques de estacionamento de superfície. Quando as ruas forem devolvidas a quem nelas mora e delas se serve, estão estarão a ser dadas condições ao comércio local. Poderemos andar e parar e sentar-mo-nos. Olhar para uma montra e entrar. Ir à mercearia comprar uma maçã e ficar sentado na relva a saborear os doces frutas da vida. Faremos, ao fim e ao cabo, o mesmo que fazem as pessoas pelas cidades capital desta Europa unida! Onde ninguém faz drive-in shopping! O que talvez importe perceber é que quando se empurram as pessoas para dentro dos c.c, não se pode depois andar a prende-las cá fora.
A maior parte de nós depende do carro para fazer praticamente tudo sem sequer disso se dar conta. Nem vale a pena enumerar o rol de coisas que só fazemos se lá chegarmos bem sentados. Com razão, ninguém imagina ir ao hiper de bicicleta. Só a ideia de empurrar o carro das compras assusta, quanto mais… Mas pudemos ir à loja da esquina a pedalar. Temos de acreditar que podemos alterar hábitos e é aqui que a bicicleta entra como factor de mudança. E é por isso que o comércio de bairro só tem a ganhar com a bicicleta, bem como com outras coisas úteis.
Para ficar por aqui, que se estende a prosa, o que me apetecia escrever era: não é muito difícil fazer coisas úteis. É preciso é faze-las!