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A BICICLETA AO CENTRO

Posted in cycle of live with tags , , , , on 21 de Junho de 2011 by Humberto

As últimas semanas foram particularmente simpáticas para a notoriedade da causa das bicicletas. Podemos ler alguns artigos na imprensa onde, apesar de ainda subsistirem demasiados lugares comuns na abordagem, os jornalistas lá conseguiram olhar um pouco para além do primeiro plano, num processo continuo em que o próximo passo será dado quando conseguirem finalmente abordar a questão bicicleta inserida na problemática da mobilidade urbana. De realçar o texto sobre a realidade ciclista na Murtosa, Aveiro, que foi sem dúvida muito positivo para a causa da bicicleta como alternativa válida e efectiva.

Maio deu à bicicleta uma visibilidade televisiva para lá do normal. Mesmo ao ritmo da pedalada dos Queen e ainda que misturando o activismo militante com o comércio lucrativo a verdade é que se viram bicicletas no pequeno ecrã. Houve até um programa da tarde que convidou gente normal que anda de bicicleta de forma normal. Pena foi que a conversa não tenha sido normal e tenha infelizmente contribuído para a percepção DE que andar de bicicleta no dia-a-dia é uma excentricidade. Confirmou-se assim que a televisão é o mais ingrato dos meios de informação também para a bicicleta.

Houve um par de intervenções na rádio, uma delas a pretexto duma iniciativa de rua que mesmo tendo contado com o boicote efectivo do santo Pedro, teve um sucesso que excedeu largamente as expectativas da organização. Maio permitiu ainda uma muito participada Massa Crítica e duas proveitosas sessões de retratos. A blogoesfera continua bastante activa com a publicação dum grande número de artigos de qualidade e a Federação de Cicloturismo disponibilizou uma análise comparativa das propostas sobre a bicicleta dos Partidos concorrentes às eleições legislativas do passado dia 5 de Junho.

Aos poucos a bicicleta é assunto de interesse noticioso e cada vez mais presente, mesmo que as expectativas sejam altas, a verdade é que custa muito furar o entendimento, ou a falta dele, que os profissionais da comunicação têm sobre toda a problemática das ciclovias, segurança rodoviária, mobilidade sustentável, meios suaves e todas estas questões que nos são tão caras. Caras a nós, a mim e a si que aí desse lado lê estas palavras. Mas basta um idiota voltar a abrir a boca para bramir umas barbosices e a discussão passa logo para o acessório.

Podemos argumentar a favor ou contra a forma como a Sonae resolveu promover a produção agrícola nacional. Podemos até achar que a empresa de Belmiro poderia começar por tratar melhor os seus trabalhadores, nacionais ou não, mais ou menos frescos, mulheres, homens, grávidas… Podemos ainda discutir a qualidade musical do artista escolhido para abrilhantar a soirée. Podemos até achar que foi muita parra para meia dúzia de canteiros arrumadinhos e logo espezinhados pelos fãs do Toni. Mas alguém terá achado todo aquele asfalto coberto de paparoca uma imagem feia? Duvido!

Por cima da terra espalhada na avenida, misturada com os sons -e com outras coisas… dos animais expostos surgiu a voz do presidente do Automóvel Clube de Portugal. Para calar os seus habituais argumentos bastaria ter oferecido embrulhado em fresquinhas folhas de alface, o seu próprio silêncio aquando do fecho da Avenida de Liberdade, para que nela pudessem aceleraram carros de competição numa ação promocional da Renault. Ou lembrar que por estes dias, parte significativa de movimentadas artérias do Porto encerram totalmente para uns ricaços brincarem às corridas. Não fora os altifalantes da televisão e poderíamos repetir que urros de asno não chegam aos céus!

Entretanto parte do movimento ciclista lá se vai envolvendo em tentativas da descoberta da pólvora, em fóruns perenes de academismo mais ou menos encartado as mais das vezes, como ocorre amiúde, totalmente descentrado do que realmente deveria motivar: como levar aqueles que ainda não pedalam a pedalarem. É que nós, os que por aqui   andamos somos os convertidos. E os outros?

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JANTAR COM O INIMIGO

Posted in cycle of sighns with tags , , , , , , on 24 de Maio de 2011 by Humberto

Não houve ainda vez nenhuma que fiz referência ao facto da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta ser associado da Fédéracion International de l’Automobile, globalmente conhecida pela sigla FIA, que o interlocutor não faça um ar de admiração ou até de dúvida. Então mas como é que a associação dos doidivanas das bicicletas faz parte da mesma respeitada organização que os formula um e os carros de rali? As razões para as coisas serem como são, são muitas vezes muito mais simples que parecem e se nos dermos ao trabalho de descobrir como foi que nasceu a FIA há já mais de 100 anos, talvez a presença da FPCUB deixe de ser assim tão estrambólico.

Muitas das mais de duzentas organizações membros da FIA são clubes de touring, caravanismo e campismo, não representando exatamente utilizadores do automóvel mas quem usa um qualquer meio, a motor ou não de transporte particular para as suas deslocações de lazer e turismo. É fácil de perceber que em vários países europeus a importância da bicicleta enquanto meio de transporte rivalizou durante muito tempo com o automóvel. A bicicleta é, direi mesmo cada vez mais, usada como veículo para ir de férias mesmo pelos caminhos de Portugal. Há até um excelente novo incentivo! Provavelmente também aqui a situação geográfica de Portugal limitou o alcance da pedalada mas todos conhecemos, mais não seja pelo eco nos média, compatriotas que fazem viagens a pedalar, algumas até paragens distantes.

Nalguns países os atuais clubes de automobilistas, porque são tão antigos que à data da sua fundação ainda não existiam automóveis, herdaram a tradição dos amantes do touring (não confundir com tuning) em bicicleta e, mais tarde em motorizada. Sair de casa com uma roulotte atrelada ou ao volante duma auto-caravana é muito comum no centro da Europa e é vê-los descerem até à nossa costa atlântica com aquele ar de reformados sortudos. Muitos países têm vários clubes na FIA, sendo que normalmente apenas um agrega a componente de desporto, ou se quiserem, de competição. A França tem como associados na FIA três clubes de automobilistas, um clube de campismo e outro de campismo e caravanismo, mais um de desporto motorizado. De Portugal estão representados, para além da FPCUB, o Automóvel Clube de Portugal e a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting. Mas para ver que as coisas não são mesmo como parecem, sabia por exemplo que o ACP promove o montanhismo? Nem eu! É caso para dizer que no ACP antes trepar que pedalar…

Vem este relambório a propósito de ter eu sido arrastado para um jantar que fechou a Conferência Internacional de Clubes da FIA, que decorreu no Estoril há meia dúzia de dias. Chegado ao repasto, já com um significativo atraso, sentado e devidamente apaparicado com um colorido prato e um desejado copo de vinho, como se exige de semelhantes convívios, deparo-me com a questão do dito cujo propriamente dito: o convívio. De que falar com comensais que passam a vida a ver o mundo pelo para-brisas dum mais que provável topo de gama luzidio e rocinante? Deu-se o caso do casal à minha direita ter vindo do norte da Alemanha, dum burgo perto de Bremen, cidade imortalizada pelos irmãos Grimm e os seus quatro amigos músicos. E por aí foi a conversa até que o fado interrompeu os diálogos com a sua exigência de silêncio -muito gostamos nós de dar a plateias que nada percebem da língua lusa, uma música onde a palavra é fundamental!

Quando a crua realidade do presente nos dá pouco espaço para a fantasia, esta fábula dos quatro amigos que fogem para Bremen em busca do futuro e da liberdade, fala-nos de como objetivos comuns podem ser a alavanca que une quem é tão diferente como um burro, um cão, um gato e um galo. Ao contrário do que se afigura no nosso horizonte enquanto país, em que não nos dizem sequer para onde nos querem  empurrar, embora apenas nos prometam pedras pelo caminho, os quatro músicos de ocasião sabiam que era em Bremen onde encontrariam a solução para os seus problemas. Ou seja, moviam-se com um objetivo, concordando com o destino.

Afinal o jantar, mesmo descontando a singela refeição e a bando sonora da praxe, acabou por me dar mais umas boas razões para continuar a ser criterioso e até um pouco sectário nas fábulas e histórias de fantasia que escolhemos cá em casa para ler ao V. Mesmo rodeado de apaixonados pelas máquinas que me oprimem enquanto defensor duma mobilidade integrada, onde todos caibamos de acordo com as nossas necessidades, é possível encontrar caminhos para percorrermos a par. Cada vez mais cansado das vozes que nos garantem que os políticos são todos iguais, sei que é nas diferenças -escondidas?- das propostas, mas sobretudo da ação, que é possível e necessário trilhar um caminho novo para o meu país. Para que depois do dia 5 de Junho não tenhamos todos de ir por aí a caminho de Bremen.

O MUNDO AO CONTRÁRIO

Posted in cycle of sighns with tags , , , , , , on 17 de Setembro de 2010 by Humberto

Ainda mal a semana da mobilidade tinha começado, ainda andava eu a tentar perceber como a data iria ser celebrada por terras lusas, quando encontrei o presidente do Automóvel Clube de Portugal ali pela baixa da Invícta. A pretexto dos números de atropelamentos e das vítimas por eles causadas, lembrou-se o ACP de lançar uma campanha sob o lema “todos somos peões”. Ao ouvir o presidente do clube em directo na RTP, fiquei atordoado, senti-me como que atropelado na minha inteligência.

O senhor Carlos Barbosa acha que o problema dos atropelamentos é responsabilidade dos peões! Admirados? Ouçam o sujeito aqui e digam lá se não é de bradar aos céus? Em matéria de mobilidade, o presidente do ACP é uma pessoa medieval. No seu entendimento, deveria reinar a lei do mais forte nas relações entre peões e automóveis.

Em 2006, a Ordem dos arquitectos organizou um encontro dedicado ao tema da cidade para os cidadãos em que foi apresentado um trabalho da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M) com o título “Somos Todos Peões”. A diferença entre a iniciativa do ACP e o documento da ACA-M não se fica pela troca de duas palavras. Enquanto para o ACP, a defesa do peão importa na medida em que seja razão para desimpedir a via pública para o automóvel circular como “é seu direito”, para a ACA-M a defesa do peão tem que ver com um direito inalienável e universal que todos temos.

Ao contrário do condutor de qualquer veículo motorizado, o peão não necessita de nenhuma condição prévia para poder circular. Ao peão não é exigido nenhum exame para andar na via pública. Um cidadão limitado nas suas faculdades, não tem qualquer tipo de restrição à mobilidade enquanto peão, ao contrário do cidadão que pretende conduzir um automóvel ou um motociclo, logo os direitos e deveres entre condutor e peão são diferentes, nomeadamente em matéria de segurança e integridade.

Se todos somos peões, essa é uma condição universal, e essa é uma condição que quando em conflito com um veículo motorizado, dá ao peão uma desvantagem evidente entre capacidade de criar dano e risco de sofrer dano. Claro que quem conduz uma tonelada de ferro mesmo a “apenas” 30/40 km/h comporta maior perigo potêncial que alguém que translada 70kg a 2 km/h! Ou não, senhor Barbosa?

Imaginemos por momentos que num qualquer parque automóvel ou avenida de Lisboa vários lugares de estacionamento, para não dizer todos, estavam ocupados por peões a ler o jornal, a saborear uma bica ou um cimbalino, a brincar com os filhos numa manta estendida, a dormir a sesta. Imaginemos que de cada vez que um condutor não respeita uma passadeira, um sinal vermelho ou faz uma razia a um ciclista, a conta bancária é descontada em cerca de 200€ (valor duma multa por não respeitar um stop em Portland, EUA). Quem invade o espaço nas cidades?

Em querendo, o ACP teria variadíssimas alternativas a esta absurda campanha. Que tal sensibilizar os seus sócios e demais condutores, para respeitarem escrupulosamente os limites de velocidade? Ou imprimir autocolantes do clube com a conhecida frase “Eu nunca estaciono nos passeios nem nas passadeiras“? Ou apelar à condução defensiva com o lema “O meu sexo é melhor que o meu carro”?

O que mais espanta é ver a Câmara do Porto e a de Lisboa a embarcarem nesta farsa do senhor Barbosa. As duas maiores cidades do país associaram-se a uma iniciativa que aborda o mundo ao contrário, porque equaciona mal um problema grave, indo ao arrepio de tudo o que é vanguarda no pensamento das questão da mobilidade e da cidadania. Por muito que custe aos senhores Barbosas desta vida, por muito que a sua tacanha mentalidade egoísta recuse olhar o mundo em que vivemos, somos mesmo todos cada vez mais peões!

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