VIVA O PASSE SOCIAL!
Decidi dar a cada um dos quatro temas recorrentes enunciados no artigo anterior, um texto. Hoje escrevi sobre os transportes públicos, o próximo artigo será dedicado ao automóvel, o seguinte às ciclovias e por último escreverei sobre o capacete. Sempre com a perspectiva de quem vai no selim da bicicleta.
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A empresa que não queira ter de pagar aos seus funcionários os custos da depêndencia do carro particular para ir trabalhar não será tão sensível aos chamados “bons acessos rodoviários”. A empresa à qual os seus trabalhadores chegam por transporte público sabe que têm mais qualidade de vida. Têm custos de mobilidade muito inferiores aos do trabalhador que necessita do automóvel, têm mais rendimento disponível. São melhores consumidores, porque consomem mais.
O transporte colectivo é o meio mais eficiente de mobilidade urbana. Partilhando um vértice do triângulo com o automóvel e com a bicicleta, oferece o conforto dum e a liberdade do outro. A integração dos sistemas de transporte duma cidade numa rede intermodal reveste-se duma importância muito para lá da quantidade de passageiros que transporta. Mais que mover multidões em barcos, eléctricos, autocarros, metros e comboios, o sistema de transportes conduz o crescimento da urbe, marca o ritmo, recria paixões. Os percursos e os horário são as ferramentas com que a rede molda a forma e o conteúdo da cidade.
Dentro duma carruagem há livros, música, encontros, assaltos, drama, destruição, ideias, soluções, compra e venda. Da janela do eléctrico encomenda-se o almoço, entra o jornal, dá-se um calduço, ouve-se os bons dias e atira-se um piropo. Pela janela do eléctrico entra o cheiro do rio e do pregão. Da janela do eléctrico vê-se a paragem, e a puta, o turista, o bancário, o carteirista, o soldado e o polícia. Dentro dum autocarro vai um bairro que passa por outro bairro e por outro, até que se enche de toda uma cidade. Todas umas vidas. E é esta cidade cheia de vidas, a despertar com os primeiros raios de luz, que vê quem vem e atravessa o rio. Há lá vista mais bonita?
O papel chave que os transportes públicos têm na vida de milhões de cidadãos e a importância enquanto geradores e dinamizadores de actividade económica, tornam-nos presa dos ultra-neoliberais que têm gerido e gerem os destinos da Europa. Por cá há muito que, ao mesmo tempo que os transportes públicos são conduzidos por avenidas onde apenas circula o interesse comercial, é desvalorizada a importância social dos serviços e arrasada a imagem pública dos funcionários. Após a aplicação das mais recentes decisões políticas na rede de transportes nacional, os transportes colectivos de Lisboa perderam passageiros mas aumentaram as receitas.
Embora haja menos pessoas a andar de transportes públicos -e isso deve-se a diversas razões, houve um aumento significativo no valor cobrado pelos bilhetes. Foram suprimidos horários e fechadas carreiras, a qualidade do serviço de alguns operadores diminuiu significativamente a par da redução dos incentivos a grupos específicos de passageiros. E o resultado qual foi? Menos utentes pagam mais. No Reino Unido, três décadas depois da choque privatizador tatcheriano, discute-se a re-nacionalização dos caminhos de ferro britânicos, numa altura em que se anunciam aumentos de mais de 6% nos bilhetes.
O transporte colectivo é de tal forma vital que os seus destinos têm de se manter na esfera pública. Só dessa forma preservam a sua posição de vanguarda na obra que é fazer a cidade. O transporte público é o grande aliado dos meios suaves por ser o verdadeiro predador do automóvel. Os utilizadores de bicicleta, mesmo que não sejam utentes, são dos maiores beneficiários duma boa rede intermodal. E a eficiência da rede de transportes é conseguida, não com um redutor deve-a-haver de mercearia mas pela capacidade que tem de irrigar de carne e sangue humano as artérias, ruas e avenidas, levando vida a todo o corpo da cidade!
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