MODÉSTIAS À PARTE


foto FPCUB

A Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores da Bicicleta decidiu reconhecer no cidadão eu contributos para a utilização da bicicleta junto dos colegas de profissão e como autor de textos de qualidade neste blog e no anterior que lhe deu origem, de boa memória sicbybikeday. Por tanto decidiu atribuir-me o Prémio Nacional de Mobilidade em Bicicleta na categoria de Cidadania na sua sexta edição. Aceitei o reconhecimento sem falsas modéstias e com a certeza de ser pelo reconhecimento dos bons exemplos que podemos contribuir também para a sua multiplicação. Particularmente porque fui par de outros galardoados de respeitáveis méritos na defesa da mobilidade em bicicleta.

Quase todos os presentes no auditório do Metropolitano de Lisboa partilham a paixão pelas bicicletas. Embora cada um a imagine com trajes diferentes, uns preferem vê-la de lycra e outros mais à moda, todos alimentam uma relação de fidelidade com uma máquina que continua a desempenhar papel importante na nossa mobilidade. Apesar das diferenças de utilização quase todos os presentes na sala convergem no muito que há por fazer em Portugal, nas nossas cidades, para incorporar a bicicleta como veículo de transporte de pleno direito. Mesmo não existindo unanimidade na comunidade ciclista quanto aos caminhos que devem ser trilhados, julgo não errar ao afirmar que coincidimos na direcção necessária: melhorar as condições e promover os chamados meios de transporte suave.

E digo quase todos os presentes porque quem usou o microfone, premiados e convidados, o único que revelou não ter uma, digamos, relação próxima com o velocípede de duas rodas a pedal, foi o representante do Secretário Estado dos Transportes, presidente da Autoridade Metropolitanos de Transportes de Lisboa, de sua graça Germano Farias Martins. Num palavreado coerente com o alheamento com que o Estado na sua forma governativa encara a mobilidade em bicicleta, o senhor proferiu uma série de lugares comuns e trivialidades onde não faltou – pasme-se! – a referência às míticas e tenebrosas colinas de Lisboa. Será que nuca mostraram a este senhor, ou a quem lhe enfia papéis dactilografados no bolso, o que academicamente já se provou a respeito das malfadadas colinas alfacinhas? Irra!…

Eu esperava, por puro lirismo bem sei, outro discurso do senhor. O presidente da AMTL teve uma boa oportunidade de fazer um brilharete. Defronte tinha dois presidentes de Câmara com obra feita, vários órgãos de informação, cidadãos que dão o seu  tempo em prole da causa, empresários e representantes de empresas activas na promoção da bicicleta, mas não foram suficiente inspiração, sequer incentivo, para umas palavras que apontassem um caminho, nem que fosse de cabras, um discurso eivado de ténue esperança, umas luzes, ainda que das velhinhas encandechentes, lançadas sobre o destino que o Estado tem para nos oferecer por horizonte, uma vaga ideia do projecto para o país que governa. Pelo contrário, lembrou “ao padre a missa” das dificuldadesinhas e sacou da sempre-a-jeito-crise que tão bem justifica o todo nada feito e o tanto eternamente por fazer.

Não iremos sair do buraco onde nos enfiaram a pedalar, estamos conversados em relação a isso, mas também não iremos ultrapassar as dificuldades ao volante dos obsoletos automóveis, mesmo que sejam topos de gama equipados com chauffer público nunca excedentário. Só com investimentos em transportes colectivos, públicos; sistemas de tarifários integrados; gestão efectiva dos espaços para estacionamento e restrições à circulação de veículos motorizados; valorização e incentivo de todas as alternativas ao automóvel individual, é que poderemos manter alguma esperança contra o fatalismo das autoridades, com a pequeno ou com A grande. E sobre isto parece nada pensar aquele que representa o tal Estado governativo.

A crise pode ser uma oportunidade para mudar e corrigir. Pode ser mas se nada fizermos será apenas mais uma oportunidade perdida. A promoção da bicicleta ajudará a indústria portuguesa do sector, que por acaso é a maior da Europa, financiará o comércio e dinamizará novos serviços, poupará combustível, promoverá hábitos de vida saudáveis e melhorará a qualidade de vida não só de quem pedala. Dará um pequeno mas não insignificante empurrão na economia. Para tal é necessária vontade política, audácia, ousadia, imaginação como a que têm revelado as autoridades por exemplo na Moita, em Vila Real de Santo António, em Peniche, em Águeda, em Almada. Do que não precisamos, nem temos sinceramente paciência, é para o discurso derrotado pelas dificuldades, especialmente de quem é pago para nos vir apresentar soluções.

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8 Respostas para “MODÉSTIAS À PARTE”

  1. Duarte d´Araújo Mata Says:

    Humberto, parabéns pelo seu prémio primeiro que tudo.
    A esta hora, este Senhor representante dos “transportes” ainda não sabe que proferiu um discurso tão fraco. Há uma clivagem entre os “super-automobilizados” e os “auto-mobilizados” que só se resolve com o tempo (será?) e que torna os discursos do “outro lado” muito básicos, tantas vezes no limite de serem confrangedores.
    Uma sugestão: quando fala em ousadia e dá exemplos, e apesar de serem exemplos, não pode esquecer Lisboa. Não pode porque o grau de exposição e de coragem de Lisboa desde 2007 em colocar a bicicleta no centro das atenções, cujos resultados são cada vez mais animadores, o grau de investimento, a amplitude das medidas normativas entretanto implementadas, a inovação em matéria de formação e sensibilização, e mais do que tudo, a dimensão do obstáculo “carro” nesta Cidade, torna o exemplo incontornável. Cumps. Duarte Mata

    • Obrigado.
      Por Lisboa ser incontornável e a cidade que mais atenção mediática tem tido no que às bicicletas diz respeito, é que me abstive de referir o seu exemplo.
      No entanto, e apesar dos passos positivos que têm sido dados na capital, sou muito crítico na forma como o edifício tem sido construído. Em minha opinião está a CML em alguns casos a tentar erguer telhados onde nem caboucos ainda foram abertos.
      Abraços,
      H

  2. O que noto nos discursos de quem tenta mudar de paradigma na mobilidade é a sua constante dependência mental do carro. Qualquer que seja o modo como encaram o assunto, topa-se à distância que o carro domina as suas mentes. Só isso explica o facto de, sem excepção, todos aqueles que leio insistirem na tecla do combate ao veículo individual, esquecidos que a minha bicicleta não é nem será jamais veículo público. A bicicleta é um veículo particular, mesmo que tenha selins para mais que um utilizador. Portanto, uma frase como “gestão efectiva dos espaços para estacionamento e restrições à circulação de veículos particulares” significa que também as bicicletas serão afectadas por essas restrições. Tens de reformular a frase: restrições à circulação de carros. Carros, a circulação desses veículos é que deve ser restringida, sejam eles “loucomovidos” a “petrol” ou a baterias.

    • Sugestão aceite e correção feita.
      No entanto acredito que num cenário mais próximo do ideal, também a circulação de bicicletas deva ser restringida em alguns espaços de forma a manter a segurança dos outros utilizadores das vias. Por exemplo nos passeios para que não ocorra situações como no Parque das Nações em Lisboa.

      • Humberto
        Desculpa voltar à carga, mas há também algo na tua resposta que não consigo compreender. A circulação de bicicletas deve ser restringida nos passeios? Então os passeios não são para os peões? Pelo menos é o que está no Código da Estrada (CE), apesar de a esmagadora maioria dos carrodependentes não cumprir essa regra, ordinariamente no estacionamento. As bicicletas são veículos, logo não podem circular no passeio. Devem circular na estrada. Claro que tipos do calibre desse Germano Martins não percebem isso, motivo pelo qual há tantos passeios partilhados entre velocípedes e peões. Mas um utilizador de bicicletas tem a obrigação de saber isso. Sendo assim, não faz sentido restringir o que já é proibido. :)
        Quanto ao Parque das Nações e outros locais onde pedalam ciclistas a esmo no meio dos peões, são exemplos claros do pensamento motorizado que domina a nossa sociedade. Ou há passeios ou estradas. Ciclovias, onde estão? É impossível fazer uma ciclovia em Portugal, porque as pessoas (leia-se os peões que também são, normalmente, condutores de carros), por qualquer motivo insondável, invadem-nas, tornando perigosa a sua utilização para os ciclistas. Isto passando ao lado de todos os erros de construção, localização e orientação das ditas. Temos de ter em atenção que a grande maioria desses “ciclistas” são carrodependentes que utilizam a bicicleta em lazer; não a utilizam numa base regular, como transporte individual. Para essa população, bicicleta é um brinquedo, como patins ou tábuas com rodas (vulgo “skate”). E o lugar dos brinquedos é no passeio e não na estrada, está bem de ver. Ora, se eles, como condutores, não sabem ou não cumprem o CE, porque motivo o iriam cumprir como ciclistas? E percebemos que há ainda um longo caminho a percorrer quando se vê tipos a estacionar o carro em cima do passeio e a tirar a bicicleta do tejadilho para ir pedalar no passeio partilhado.

      • Os passeios são para os peões e os passeios também podem ser para as bicicletas.
        Restringir não é sinónimo de proibir. Eu poderia ter usado o termo condicionar para clarificar a ideia.
        Sou um pouco avesso a absolutismos do tipo estrada-carros/ciclovia-bicicletas/passeio-peões e não subscrevo de todo a proibição das bicicletas nos passeios. Existem já bastantes exemplos de espaços urbanos onde a mesma a única via é partilhada por vários veículos e peões com restrições e condicionamentos á velocidade e à paragem, por exemplo.
        Parte enorme do tanto que é preciso modernizar é o Código da Estrada. Para lá duma mais efectiva aplicação e fiscalização das suas regras, muito do seu normativo tem de ser actualizado à nova realidade.
        Como é evidente não podemos esperar que toda a gente passe a cumprir os limites duma ciclovia dum dia para o outro, seja peão ou ciclista. A habituação na convivência com as novas estruturas levará o seu tempo e evoluirá com o aumento da utilização das ditas.
        Qualquer um de nós, militantes ciclistas convictos, ao passear por cidades onde as bicicletas rolam em qualquer lugar, somos surpreendidos no meio de ciclovias. Não há uma única cidade onde os próprios habitantes ciclistas não tenham de vez em quanto de “buzinar” a um peão mais distraído.
        Ao fim e ao cabo trata-se de tirar do tejadilho manias gastas e seguir a pedalar na evolução das mentalidades!

  3. Paulo guerra dos Santos Says:

    A propósito das 7 colinas, alguém mande um link da minha tese de mestrado a esse senhor … :)

    http://www.mediafire.com/?5wddwl2mgo2

  4. Parabéns Humberto!

    Sobre o resto, por acaso gostava de ter acesso ao que disse o senhor da AMTL, será que existe uma gravação ou assim?

    Eu ainda sou do tempo em que o Secretário dos Transportes ia à apresentação dos prémios e fazia um discurso, que mesmo sendo de circunstância, não era confrangedor. Parece que andamos para trás…

    Abraço

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