ALL THE WAY RIDE!
O ritual matinal foi cumprido. Pedalei até à estação da CP e apanhei o comboio. Um pouco antes das nove as carruagens já chegam compostinhas a Carcavelos e acabam de encher em Oeiras e Paço de Arcos. Caras sisudas, rostos fechados, olhos perdidos nas notícias grátis e cabeças a transbordar de taxas de juros e equações onde a única constante é a incerteza do futuro. Há medos novos por aí que não deixam ninguém respirar um sorriso de esperança. Para onde nos estão a levar?
Eu fico-me por Algés, tomo um café no bar do turco e reajusto o selim. Sim, que hoje vim sentado num Brooks Flyer Special castanho novinho em folha. A Raleigh ganhou assento e pneus novos e veio à rua mostrar o que vale. Os pneus que a minha mais recente aquisição trouxe desde a sua terra natal eram largos demais para poder ter instalados os guarda-lamas, e de borracha de muito má qualidade. Resolvi troca-los por uns Schwable Marathon Plus de medida 25 para lhe devolver o ar original, melhor rolamento e acrescida protecção anti-furo. E resultou!
O selim de origem não é desconfortável mas as minhas costas habituadas que estão ao Thudbuster reclamavam de cada vez que me sentava nele. Resolvi investir umas massas num Brooks desconhecido mas com muito boas referências. O Flyer é um selim bastante polivalente que junta o conforto do clássico B66 com a performance do B17. O ideal para um quadro em aço a ser usado no dia-a-dia. Preferi o Special que tem os rebites mais largos e martelados à mão.
Apesar da mudança dianteira estar empenada e não ser fácil encontrar um Shimano Deore DX sobressalente, o sistema de transmissão funciona sem falhas e lá fiz a minha subida nas calmas, desfrutando do vento, do fresco, dos cheiros, dos sons, de mim. Mudar de roda pedaleira requer alguma habituação para não fazer saltar a corrente nem deixa-la a roçar, mas obriga-me a permutar mais moléculas com a bicicleta.
O dia de trabalho reservava-me uma viagem de carro longa e mais ou menos sem proveito, não fora a oportunidade de ver o trabalho do arquitecto Ricardo Bak Gordon na planície Alentejana e a garrafinha de azeite Andorinha Vintage. Nem tempo tive para provar o menu bufete que o chefe Sobral preparou para tão desmerecidos comensais…
O fim do dia estava bonito e como a ida tinha corrido sem sobressaltos mecânicos, arrisquei um regresso a casa livre de comboio. Fora da época estival a Marginal fica menos convidativa à bicicleta nas horas de commuter. Pela manhã ou é muito escura ou muito engarrafada e no regresso são sempre demasiados os motoristas nervosos e perigosos que regressam a casa muito acima do velocidade permitida. E como pedalar pelo passeio está fora de questão por razões religiosas, vou mais vezes de comboio que as que gostaria.
Mas hoje a Rali ia finalmente conhecer a Riviera da foz do Tejo: a Marginal. O sol caia sobre o azul-acinzentado do oceano salpicado de corajosos e crentes surfistas. O asfalto ainda húmido e brilhante das chuvas sento cortado pela preta lamina rolante impulsionada para a frente pela cadencia decidida da pedalada. O ar cheio e com cheiro a maresia e as nuvens altas e altivas envolviam-me em todas as dimensões. Os anormais que conduzem diariamente livre e impunemente por esta estrada quase que me envolviam noutra dimensão. Ai as lindas orelhinhas das suas mãezinhas!…
O selim provava os créditos mostrando-se o mais cómodo de todos os selins novos que experimentei. A base é suficiente ampla para o apoio necessário e as molas conseguem aliviar o baixo relevo em que anos de tapa-buracos transformam o pavimento asfaltado. O couro castanho dourado, de tão novo e liso está ainda algo escorregadio, dificulta uma nadinha o agarre mas nada que impeça encontrar a posição de apoio correcta em cada momento da pedalada. Se é que me percebem…
Ao fim de tantos anos a pedalar numa posição mais endireitado, a D-bar vai-me questionando de cada vez que a agarro e dá-me algum trabalho a adaptar. Verdade seja escrita que já estava a chegar à praia de Oeiras quando o pensamento me levou a olhar o guiador. Não estou certo se a direcção -guiador e avanço- sofrerá alguma modificação. Estou indeciso entre um avanço com um ângulo mais aberto mantendo a drop-bar ou um guiador tipo Albatross ou Dove. Sempre com bar-end shifteres. Cool hum?…
Neste ponto da Marginal já os ouvidos se fartavam do vrum rasante, meti-me no túnel e segui pelo passeio marítimo sem olhar a proibições nem restrições. Pouca gente caminhava, alguma patinava, outra pedalava, a praia quase deserta, o mar mais próximo e o piso! ah o piso… como seria bom rolar sempre assim, suavemente.
O prazer de montar numa bicicleta clássica como a Randoneur, é imenso. Talvez desperte o mesmo tipo de sensações que conduzir um Jaguar descapotável, branco claro. A maneira como nos encaixamos e enredamos ao comando da máquina. A viagem ao tempo em que a simplicidade mandava e obedecia. Os materiais, o design, o som do “motor”, o cliq-claq-rchq da corrente, do desviador, da mudança, dão um sentido de vida que coloca a bicicleta entre as criaturas que respiram, gemem e sorriem.
13 de Novembro de 2010 às 20:33
pura poesia!!!!!!!!!
13 de Novembro de 2010 às 21:54
Que belo texto! :D
18 de Novembro de 2010 às 12:05
Uau, tu sabes de bicicletas! Eu gostava de saber utilizar as mudanças e de ter fôlego para as subidas, até as mais delicadas. :) Gosto do teu biciblog.