FICAR PARA TRÁS


Umas das coisas boas que há em poder sair de casa, quebrar as rotinas diárias e vir de férias, é que temos a oportunidade de escolher muito mais o que fazemos com o tempo. Deixamos de ser meros fantoches manipulados pelos ponteiros dum relógio, e temos a oportunidade de olhar à volta sem nos sentirmos culpados por dai não vir a nascer nenhum “produto”. E quantas vezes não é exactamente aqui que surgem ideias, desejos?

Acordar lentamente e tomar o pequeno almoço sem pensar um segundo no que a seguir nos espera, pelo menos sem a vontade de fugir das caras enfadonhas e tristes que encontramos todos os dias, é um privilégio ao alcance dos que ainda mantém o direito a férias (e isso seria outra conversa).

A bicicleta faz parte do nosso dia a dia em férias. Os três temos a oportunidade de fazermos a nossa vida móvel praticamente só recorrendo à bicicleta e juntos, partilhando as viagens lenta e alegremente. Como devem ser vividas as viagens. O automóvel que fielmente e confortavelmente nos trouxe desde casa, aliviado do peso da carga, ganha também uns dias de folga e ar puro. Será requisitado ao serviço apenas quando a logística não puder ser resolvida com recurso ao comércio da aldeia.

Da casa à praia a estrada é uma e por ali se fica. Quer dizer, continuar até continua, mas é como se não. Por ela cheiramos os eucaliptos e as flores do campo. E o adubo em estado puro ou já estendido. Vemos os altos pinheiros, contamos as estufas, ouvimos a agua nos canais e os pássaros que dela bebem. Escolhemos os bois mais grandes e saudamos os cavalos que se aproximam da cerca à hora da palha.

E fazemos isto tudo sem parar. Sem desmontar. Vamos à velocidade do tempo, pelo menos do nosso tempo. No outro dia, mais um dos carros negros, compridos e com ar caro que por nós passam sempre cheios de pressa, como se fossem para a praia apanhar aquela onda que já não volta, estava parado à beira da estrada. Lá dentro, sentados do banco direito da frente, apenas se viam uns cabelos femininos.

Do outro lado da estrada, para lá duma cerca baixa, meios à sombra duns pinheiros mansos, quatro cavalos olhavam na mesma direcção, para um pai chouffer e duas crianças que sobre os cavalos conversavam. Não sei quem tinha o ar mais admirado, se os de cá ou os do outro lado do arame.

Passámos pelo carro parado, quando já lá vinham os seus ocupantes com a curiosidade satisfeita, a postos para os seus lugares acondicionados pelo ar fresco da stationwagon, onde vários cavalos de potência mantinham o motor eficazmente a trabalhar. Os nosso olhares cruzaram-se, os deles com os nossos sorrisos e um aceno. Mais uns metros pedalados e fomos de novo ultrapassados pela pressa da tecnologia alemã. Cá fora continuaram os pássaros, os cheios, e os sabores.

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